O procurador-chefe da República no Estado do Pará, Felício Pontes Júnior, tem sido uma pedra no caminho do açodamento do governo federal em construir, a qualquer custo, a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, e outras obras de infra-estrutura onde a questão ambiental não vem sendo contemplada. Nesses Três Toques, Felício diz que a ameaça de um apagão é falácia, ataca um suposto lobby das empreiteiras interessadas em construir a usina de Belo Monte e defende mudanças no sistema processual brasileiro, que considera kafkiano.
POR DENTRO - Muita gente, no governo e na iniciativa privada, defende a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, alegando que, sem ela, o Brasil corre o risco de um apagão após 2010. O senhor concorda?
FELÍCIO PONTES JUNIOR - Primeiro é preciso dizer que essa conversa de apagão é uma falácia, uma estratégia para aterrorizar os brasileiros na esperança de aprovar mais rapidamente projetos polêmicos como Belo Monte. O apagão foi desmentido pelo próprio governo federal no início de agosto, quando se garantiu ao País que o risco está totalmente afastado. Agora existe, sim, uma situação enfrentada por todos os países em desenvolvimento, que é o aumento da demanda de energia para acompanhar as taxas de crescimento econômico. Essa discussão não é um 'privilégio' do Brasil e a grande questão é qual matriz energética será usada para fazer frente ao problema. Mega-hidrelétricas não são consideradas boa alternativa em nenhum lugar do mundo, principalmente pela quantidade de carbono emitida na formação dos lagos. Temos à nossa disposição pelo menos três matrizes abundantes e renováveis que estão sendo ignoradas: a eólica, a solar e o bagaço da cana. Só o bagaço corresponderia a uma Belo Monte e meia, com custo infinitamente menor para os cofres públicos e nenhum impacto ambiental irreversível. Além disso, existem usinas hidrelétricas antigas que podem ser repotenciadas sem alagamentos adicionais e linhas de transmissão obsoletas que podem e devem ser trocadas. O desperdício de energia em linhas de transmissão no Brasil pode corresponder a 20% da energia produzida no País! Mas nisso jamais se fala, porque, mesmo existindo alternativas viáveis às grandes hidrelétricas, o lobby das empreiteiras apresenta sempre como única salvação justamente os projetos mais caros e que apresentam mais riscos ao meio-ambiente.
PD - O Ministério Público Federal já foi acusado pelo presidente Lula de ser um dos entraves ao crescimento do País, paralisando projetos como a hidrovia Tocantins-Araguaia e a própria hidrelétrica de Belo Monte, para ficarmos restritos à Amazônia. O que o senhor tem a dizer?
FELÍCIO - No caso de Belo Monte, o que percebemos é um lobby poderoso de três grandes empreiteiras, que estão dirigindo os estudos de impactos ambientais, quando o normal seria que a Eletrobrás fizesse isso. Coincidentemente, todas estão no grupo dos grandes doadores da campanha da reeleição. Então a pergunta que nós fazemos no Ministério Público Federal é: Belo Monte é boa para o Brasil ou para as empreiteiras? Nosso ponto de vista é bem claro: seja quando se trata de uma hidrovia, seja quando se trata de uma hidrelétrica, é preciso defender a aplicação das leis e da Constituição. Fala-se muito que o processo de licenciamento brasileiro é confuso ou longo demais, mas a verdade é que empresários e governos gostariam de burlar as etapas necessárias para aferir mais rapidamente lucro nesses empreendimentos. Com isso o MPF não pode concordar, porque a nós cabe defender os interesses da sociedade. O crescimento do Brasil não pode acarretar a destruição irresponsável dos recursos naturais e muito menos a dizimação de populações tradicionais e povos indígenas. É contra isso, por obrigação constitucional, que o Ministério Público luta.
PD - A população brasileira aplaude as incontáveis operações da Polícia Federal e a ação do Ministério Público, mas a impunidade continua sendo a tônica. Na maioria dos escândalos denunciados, todos os principais personagens estão ricos e soltos. O que fazer?
FELÍCIO - Mudar o sistema processual brasileiro, que é kafkiano. Qualquer estagiário de Direito de um escritório de advocacia pode criar incidentes processuais que atrasem por anos uma ação criminal ou civil, porque nossa legislação permite. Com muito esforço dos procuradores da República, até já conseguimos algumas condenações como resultado das operações da Polícia Federal, mas atribuímos esses poucos resultados a milagre, de tão descrentes que estamos. É preciso fazer uma mudança na lei processual, igualando nossos processos aos europeus, por exemplo. O problema é que mexer nessas leis é tarefa do Congresso Nacional, e, quando se vê o número de parlamentares que respondem na Justiça por corrupção e outros crimes, fico me perguntando se algum dia vamos conseguir mudar essa situação.
(O Liberal – coluna Por Dentro – 12/08)
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