Por Andrei Netto, de Copenhague
Ao longo da estrada estreita e sinuosa que leva à zona industrial de Copenhague, capital da Dinamarca, a paisagem muda com freqüência. No início da viagem, chama a atenção a sucessão de campos de futebol -- a região concentra os centros de treinamento de vários times da primeira divisão do país. Mais adiante, surgem no horizonte vários galpões, com um aspecto de abandono que reflete o estágio atual de atividade das metalúrgicas, das fábricas de borracha e de outros negócios do gênero instalados por ali. Eles entraram em franca decadência desde que o governo resolveu mudar sua política de incentivos fiscais nos anos 70, priorizando o surgimento de atividades não poluentes e capazes de oferecer alternativas viáveis ao "fim" da era do petróleo. O resultado dessa guinada pode ser conferido no final do caminho, quando se ultrapassa o portão que dá acesso aos campos eólicos de Lynetten e Middelgrunden. Juntos, eles formam um dos maiores complexos desse gênero no mundo. Um visitante chegou a comparar o impacto visual com o desembarque num planeta alienígena, ocupado por fileiras de robôs gigantes em forma de hastes. As dezenas de turbinas enfileiradas causam mesmo uma forte impressão. Parte delas avança mar adentro, onde barquinhos de pescadores, para seguir em frente, são obrigados a manobrar entre os pilares, que chegam a 40 metros de altura. Embora estejam longe de representar a oitava maravilha do mundo, estão se tornando uma espécie de novo cartão-postal da Dinamarca.
Ao incentivar o desenvolvimento da tecnologia que utiliza a força dos ventos para gerar energia, a Dinamarca criou a maior indústria no mundo desse gênero. Atualmente, o país reúne cerca de 180 empresas dedicadas ao negócio de energia eólica. Elas empregam mais de 20 000 pessoas e faturaram no ano passado 4,4 bilhões de dólares (veja quadro). O setor também se destaca por sua capacidade de inovação, o que lhe conferiu o apelido de "Vale do Silício" da energia limpa. Os dinamarqueses exportam mais de 90% das turbinas fabricadas e dominam 40% do mercado global do produto. "Começamos a pensar no assunto antes de qualquer outro país, fizemos um investimento tecnológico sem paralelo e reunimos um grande número de companhias pensando em desenvolvimento e conquista de mercados, com a ajuda das universidades locais", afirmou a EXAME o engenheiro Peter Hauge Madsen, consultor em energia eólica que está entre os mais respeitados da Dinamarca.
O PAIS É UM LUGAR ONDE uma empresa como a LM -- grande fabricante de turbinas -- decide investir quase 5 milhões de dólares para desenvolver um túnel de vento, semelhante aos utilizados pelas escudeiras da Fórmula 1, a fim de melhorar a performance aerodinâmica das pás de vento das turbinas eólicas. Normalmente, quando transplantados da tela do computador para a vida real, os projetos conseguem uma eficiência de 90%, em média, em relação à intenção original dos engenheiros. Com o túnel de vento, será possível fazer correções antes da execução da obra, elevando sua taxa de acerto. O Vale do Silício escandinavo foi também o pioneirismo na construção de usinas eólicas em alto-mar, no início da década de 90. A obra mais importante dos dinamarqueses, porém, tem sido demonstrar que a possibilidade de sustentar grandes cidades e complexos industriais com a energia dos ventos não é apenas um delírio de ecologistas. Atualmente, 20% da energia utilizada no país é obtida dessa forma, a maior proporção encontrada no mundo. A geração custa 5,5 centavos de euro por quilowatt-hora, quase a metade do custo conseguido por países como Espanha e Alemanha, grandes investidores nesse tipo de energia. É algo significativo, mesmo considerando os subsídios concedidos pelo governo dinamarquês às empresas da área. (Calcula-se que os gastos com esses subsídios no país superem a casa dos 200 milhões de dólares por ano.)
Algumas das maiores empresas de energia eólica dinamarquesas nasceram com uma vocação diferente e mudaram de ramo de negócios motivadas pelos incentivos do governo. A LM, por exemplo, originalmente atuava como fabricante de móveis. Até o final da dé cada de 70, a Vestas, outra grande empresa do setor, produzia máquinas agrícolas. Hoje é a maior do mundo na fabricação de turbinas eólicas, com participação de 28% no mercado global. Possui 14 500 funcionários e está presente em 60 países. No ano passado, faturou 5,2 bilhões de dólares. "Não há segredo por trás de nosso desempenho", afirmou a EXAME Peter Wenzel Kruse, vice-presidente da Vestas. "Trabalhamos duro, contamos com o apoio de políticos visionários e com o suporte de pesquisa de boas universidades."
Parte desse mutirão é organizada pelo Consórcio Dinamarquês para a Pesquisa em Energia Eólica, criado em 2002. Sua função original -- e ainda hoje a mais importante -- é garantir a integração entre as companhias e a capacidade criativa de centros de pesquisa, como a Universidade Técnica da Dinamarca e o Riso National Laboratory. No consórcio, empresas e instituições de ensino transformam a pesquisa e o desenvolvimento de produtos e materiais em uma rede de informações compartilhada entre os parceiros. "Queremos ser os "mocinhos" do negócio, o exemplo em termos de aproveitamento de fontes de energia limpa. Logo, é preciso que sejamos inovadores", afirmou a EXAME Asger Kej, diretor do Dansk Hydraulisk Institut (DHI), outro dos institutos de pesquisa de ponta do país.
Nunca a liderança no mercado de energia eólica trouxe tantos dividendos para o país quanto agora. As maiores companhias dinamarquesas do setor viraram objeto de desejo de grandes investidores. O fundo de private equity Doughty Hanson, por exemplo, pagou 44,6 milhões de dólares pelo controle da LM em 2001. Algo semelhante ocorreu com a fabricante de turbinas Bonus Energy, incorporada pela Siemens em 2004, ao custo de 200 milhões de dólares. Apesar da absorção pelo capital alemão e da mudança de nome da companhia, que hoje se chama Siemens Wind Power, a sede da empresa segue instalada em Copenhague.
A vanguarda no mercado de energia limpa também coloca a Dinamarca numa posição privilegiada num momento em que a União Européia acaba de baixar um severo plano de diminuição da emissão de gases poluentes na atmosfera. Segundo documento divulgado no mês passado, o objetivo é elevar em 20% o uso de energia de fontes renováveis até 2020. Cada um dos 27 países-membros recebeu uma espécie de lição de casa, sendo obrigado a contribuir com uma cota para chegar à média desejada. A Dinamarca precisa aumentar para 30% a participação de fontes renováveis em sua matriz energética. A notícia foi recebida com tranqüilidade no país. Segundo as previsões, essa meta deve ser atingida cinco anos antes, comprovando a fama de eficiência do "Vale do Silício" escandinavo.
(Revista Exame - 16/02/2008)
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