Daniel Rittner
Sob críticas da iniciativa privada, a Eletrobrás ganhou poderes para atuar em outros países e ter participação majoritária em usinas no Brasil. O objetivo do governo é transformá-la numa superestatal, à semelhança da Petrobras, com investimentos nos países vizinhos. "Temos que promover a integração energética na América do Sul", disse ao Valor o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, satisfeito com a aprovação da medida provisória que permitiu as mudanças, no fim da noite de terça-feira, pelo Senado.
A MP foi editada para autorizar a União a resgatar antecipadamente certificados financeiros do Tesouro Nacional (CFT) emitidos em favor dos Estados, mas recebeu uma emenda do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a pedido do governo, para fortalecer a Eletrobrás. O presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, que representa os investidores privados no setor elétrico, criticou a rapidez do procedimento e a falta de discussões. "É fundamental que a sociedade brasileira tenha tempo e conhecimento suficientes para discutir essas mudanças", afirmou.
Lobão procurou afastar os temores de que as novas regras possam significar, na prática, uma reestatização do setor. A MP permite que a participação da estatal e de suas subsidiárias, hoje limitada a 49% nos empreendimentos energéticos, seja majoritária ou até de 100%. Mas isso é apenas uma hipótese, segundo o ministro, para licitações em que não houver interessados pelo setor privado. O lema será "parceria" com o capital privado, garantiu Lobão, citando hidrelétricas em que não houve entrega de propostas pelos empresários nos leilões e a Eletrobrás ficou sozinha para viabilizar o empreendimento. "Não há nenhuma intenção de reestatização", ressaltou o ministro. "Onde houver necessidade - e só se houver - ela (Eletrobrás) será majoritária", disse.
Para o presidente do Acende Brasil, não há vantagens nas novas regras, mas sim um potencial desestímulo a investimentos privados. Um grande concessionário de hidrelétrica, que pediu para não ter seu nome divulgado, teme a entrada das subsidiárias da Eletrobrás nos próximos leilões de geração com tarifas muito baixas, para forçar uma queda de preços, com taxas de retorno excessivamente baixas. É o que ele classifica de "competição predatória", negada pelo ministro.
Sales chama atenção para o fato de que os segmentos de geração e de transmissão precisam de R$ 20 bilhões por ano para dar conta do crescimento da demanda. "Basta olhar os balanços da Eletrobrás para ver que, nos últimos quatro anos, ela tem investido apenas R$ 3,1 bilhões a cada ano. Está claro que a maior parte dos recursos precisa vir da iniciativa privada. A legislação que estava vigente, permitindo à Eletrobrás fazer parcerias com participação de até 49%, era a maneira mais correta", comentou Sales.
Lobão lembrou outros aspectos da MP, como a autorização para a presença da estatal brasileira em outros países. Pelo menos cinco usinas já estão na mira: três na Argentina e duas na Bolívia, com capacidade para gerar até 12 mil megawatts (MW), que podem ter participação da Eletrobrás e compra de parte da energia pelo Brasil, de forma a aumentar a segurança do sistema elétrico nacional. Na Argentina, o governo quer discutir a construção de duas hidrelétricas no complexo de Garabi e a usina de Corpus. Na Bolívia, são dois possíveis empreendimentos: Cachuela Esperanza, do lado boliviano, e a binacional Guajará-Mirim, na fronteira com o Brasil, no rio Mamoré, que se junta com o Beni e forma o rio Madeira. O ministro Lobão acrescentou que há oportunidades também em países como Uruguai e Venezuela.
Na hidrelétrica de Santo Antônio (RO), primeira das duas usinas brasileiras do complexo do Madeira, a nova legislação facilitará a obtenção de financiamento junto ao BNDES. O consórcio Madeira Energia, liderado por investidores privados como a Odebrecht, tem participação minoritária de Furnas. A MP permite às subsidiárias do sistema Eletrobrás que elas dêem suas próprias ações no empreendimento como garantia do financiamento, como é praxe no modelo de "project finance", mas até agora vetado a estatais. Sem isso, o consórcio teria de buscar outra fórmula para se financiar com o BNDES.
O presidente da estatal, José Antônio Muniz, afirmou em nota que não há mudanças imediatas no dia-a-dia da estatal, mas as novas regras dão "uma flexibilidade que a companhia não possuía". A nota diz que a alteração facilita o "tão esperado" registro das ações da Eletrobrás na Bolsa Nova York. Para Muniz, o conteúdo da MP atende à orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de "transformar a Eletrobrás numa Petrobras". Diz que a iniciativa privada não tem motivos para temer o fortalecimento da estatal. "O espírito da MP é que nós possamos trabalhar em vários projetos, em conjunto com a iniciativa privada. Quando for um projeto estratégico, por exemplo, a Eletrobrás poderá assumi-lo sem limitações, respeitando, claro, o interesse dos acionistas."
(Valor Econômico - 13/03/08)
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