segunda-feira, 3 de março de 2008

Ministério usa MP para fortalecer Eletrobrás

Gustavo Paul

BRASÍLIA. A disposição do governo de transformar a Eletrobrás em uma superestatal do setor elétrico, anunciada em dezembro de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, começa a sair do papel, sem alarde. O Ministério de Minas e Energia pediu que fosse incluído na medida provisória (MP) 396 - de relatoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Câmara e que não tratava do setor elétrico - um artigo permitindo à Eletrobrás e a suas subsidiárias atuarem no exterior, além de autorizar que ela controle empresas em sociedade com empreendedores privados. Atualmente, ela pode ter até 49% do capital, se os demais sócios forem privados. O conteúdo do texto e a forma como ele foi apresentado causaram estranheza entre os analistas, que temem o aumento da estatização do setor.

A Eletrobrás é uma holding avaliada em R$28 bilhões, que controla seis estatais e 50% da hidrelétrica de Itaipu. Em 2008, desconsiderando a usina binacional, o grupo - formado por Furnas, Eletrosul, Eletronorte, Chesf, CGTEE e Eletronuclear - tem orçamento de cerca de R$36 bilhões.

O texto original da MP, enviado ao Congresso em outubro, não dizia respeito ao setor elétrico: apenas autorizava a União a resgatar antecipadamente títulos emitidos para fundos de previdência estaduais. Cunha introduziu uma emenda que modifica a lei de criação da Eletrobrás, dando-lhe mais poder. Se aprovada, a estatal terá as mesmas prerrogativas da Petrobras.

Segundo Cunha, a mudança na MP foi um pedido do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e do presidente da Eletrobrás, Walter Cardeal. Todos são do PMDB, que está pressionando para ter o controle da holding e de suas subsidiárias, além de já ter indicado o presidente de Furnas, Luiz Paulo Conde. O texto foi aprovado dia 12 de fevereiro na Câmara e aguarda votação no Senado.

- Surpreende que um assunto dessa importância seja incluído via contrabando em uma medida provisória que trata de um assunto totalmente diferente - diz o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).

Setor privado teme reestatização
e competição desigual

Para o relator da MP no Senado, senador Francisco Dornelles (PP-RJ), a medida faz sentido no modelo atual do setor, que prevê a convivência de empresas privadas e estatais:

- Nesse contexto, não há por que impedir a Eletrobrás de aumentar sua participação.

Para investidores privados, porém, a sinalização do governo é preocupante. Como majoritária em consórcios, a Eletrobrás poderia impor decisões empresariais mais próximas das políticas governamentais. Poderia, por exemplo, aceitar taxas de retorno inferiores às toleradas pelo setor privado, forçando redução de tarifas.

- Sem os padrões e as exigências de rentabilidade do setor privado, ela será uma competidora com mais vantagens em relação aos demais - diz um executivo de um grupo estrangeiro que atua no setor.

Na opinião do presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Salles, que reúne os investidores privados no setor, uma Eletrobrás mais forte não necessariamente vai aumentar os recursos para o setor. Levantamento do instituto mostra que, desde 2004, a estatal anunciou R$19,6 bilhões em investimentos, mas só realizou R$12,4 bilhões, pouco mais de 60%:

- A história não tem demonstrado que a estatal tem condições de fazer os investimentos necessários.

A preocupação com os sinais de estatização do setor foi reforçada esta semana, depois que a Eletrosul anunciou que vai exercer o direito de preferência para a compra de duas linhas de transmissão em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que pertenciam à Engevix e à Schahin. Em dezembro, a Neoenergia havia manifestado a intenção de adquiri-las e agora não poderá concluir o negócio.

Outro objetivo da medida é tornar possível a tomada de financiamentos junto ao BNDES por consórcios com participação da Eletrobrás, ainda que minoritária, ou de suas subsidiárias, como o que levou a usina de Santo Antônio, no Rio Madeira. Pelas regras atuais, isso não é possível. A exceção é a Petrobras.

COLABOROU Mônica Tavares

(O Globo - 01/03/08)

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