Laurez Cerqueira*
As perspectivas concretas de um ciclo duradouro de crescimento econômico do Brasil, que deve intensificar nos próximos anos com a implementação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo Lula, recolocou em pauta o debate sobre o abastecimento de energia.
Somos um país industrializado, de alta concentração populacional urbana, de características geográficas continentais e, conseqüentemente, de desigual distribuição do consumo energético, sendo que grande parte da produção dessa energia está concentrada em projetos no setor hidrelétrico, cujos impactos ambientais e distâncias dos centros de consumo tendem a aumentar.
A Fundação Getúlio Vargas, em recente estudo, concluiu que a indústria atualmente está com 86,1% de sua capacidade instalada em atividade, o maior nível registrado nos últimos 30 anos e aponta um crescimento vertiginoso nos próximos anos. O preço da energia no atacado subiu 54%, em relação a 2006, e atingiu a marca de R$ 168,46 MW/hora, na última semana de setembro, devido à falta de chuvas. Especialistas do setor elétrico calculam que o preço no mercado “spot” pode atingir R$ 250,00 MW/hora até o final de outubro, o maior valor desde o fim do racionamento, em 2002, e a elevação de preço, são preocupantes.
Esses dados demonstram que o nível de demanda de energia é preocupante.
Levando em consideração que 77,1% da oferta de energia no país é gerada por fonte hidráulica e que os projetos de construção de novas hidrelétricas, como estão previstos no PAC, são de longo prazo, consomem investimentos vultosos e estão enfrentando problemas complexos, de ordem judicial e ambiental, inevitavelmente a complementação do abastecimento energético por fontes alternativas deve passar a ocupar um lugar de destaque no debate. Afinal, estamos vivendo um momento de insegurança quanto ao abastecimento energético.
Vale lembrar que a região Norte conta com potencial que excede sua demanda, uma região, por vocação, exportadora de energia; a região Sudeste já esgotou praticamente todo seu potencial de geração de energia elétrica, portanto, grande importadora; a região Nordeste também esgotou seu potencial hidrelétrico e hoje depende de outras fontes de energia para atender a própria demanda; a região Sul, em certos períodos do ano, dependendo do ciclo das chuvas que abastece os reservatórios das hidrelétricas, oscila ora como exportadora ora como importadora de energia; o Centro-Oeste, que dispões de potencial próprio de geração, pode contar com suprimento de parte do Sistema Interligado Nacional em razão de sua localização geográfica.
Vale lembrar, também, que além de consumir vultosos recursos na implementação dos projetos do sistema interligado, concentrado em grandes hidrelétricas, o processo de transmissão de energia elétrica, em longas distâncias, sempre apresenta perdas e, quanto maiores as perdas, maior o preço final da energia. Os custos de geração hidrelétrica tende a aumentar, na medida em que os grandes potenciais encontram-se em locais cada vez mais afastados.
Portanto, tendo em vista a complexidade dos problemas do setor e a opção feita pela expansão do sistema energético com base em grandes projetos hidrelétricos, tornou-se urgente e necessário abrir uma agenda de debates sobre a complementação do abastecimento de energia por fontes alternativas e maior participação no planejamento da universalização do acesso. Precisamos rever os marcos regulatórios e institucionais que dão sustentação à política governamental e propor um projeto consistente para proporcionar a viabilização da maior participação da energia de fontes alternativas em escala na matriz energética, de forma a dar segurança e estabilidade para o sistema, para os investidores e consumidores.
A energia de fontes alternativas é viável. Temos tecnologia, perspectiva de escala e preço. Falta um projeto ousado, com apoio de recursos públicos, em moldes semelhantes ao do Pró-Álcool, do petróleo, quando se criou a Petrobras (“O petróleo é nosso”), apesar das resistências enfrentadas na época; assim como foi feito com a energia elétrica, até alcançar o desenvolvimento atual depois da criação de grandes empresas estatais como Furnas, CHESF, Eletrobrás e outras. Enfim, a energia de fontes alternativas precisa deixar de ser tratada como marginal e passar a ser considerada definitivamente como a energia do futuro.
O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) é um importante programa, mas precisa ser readequado à nova realidade energética. Na primeira fase do Proinfa estava prevista a contratação de 3.300 MW, igualmente divididos entre energia eólica, pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e biomassa. Foram contratados 144 empreendimentos. Desses, até janeiro de 2006, apenas 200 MW de energia eólica e cerca de 300 MW de PCHs haviam iniciado a fase de construção. Esse atraso deveu-se a dificuldades enfrentadas pelos empreendedores para obtenção de financiamento junto ao BNDES.
Houve também atraso por parte dos fabricantes de aerogeradores que não conseguiram atender, a tempo, a demanda por equipamentos. O Brasil tem apenas um fabricante de turbinas eólicas. Além disso, há problemas relacionados à conexão com a rede elétrica e à falta de estrutura física, principalmente para energia eólica.
Segundo o Atlas Eólico, do Cepel, o Brasil tem um potencial disponível de 143,5 GW de energia eólica, com apenas 236 MW instalados (0,3% da matriz energética). Ou seja, o estudo científico está pronto e o setor enfrenta problemas de viabilidade dos projetos. O Nordeste é considerado uma das regiões mais bem servidas de ventos do planeta e tem um ciclo alternado com o ciclo das chuvas, que proporciona condições ideais para a geração complementar sazonal do sistema de abastecimento. A Aneel já outorgou 92 novas usinas eólicas, com capacidade a ser instalada de 6.243 MW, a grande maioria no Nordeste.
A meta de 3,3 mil MW, do Proinfa I, responderá por apenas 3% da matriz energética brasileira, uma participação que pode ser considerada irrisória, dado o grande potencial brasileiro de energia de fontes renováveis. O Proinfa II prevê 15% do crescimento anual do consumo de energia elétrica de forma a se ter 10% na matriz em 20 anos. O mecanismo de comercialização em leilão, previsto no Proinfa II, certamente não é o mais adequado.
O tratamento dado à geração de energia elétrica a partir da biomassa, por exemplo, não pode ser semelhante ao dado à térmica a gás natural, um combustível fóssil. Estamos comprando energia suja ao invés de energia limpa. Faltam incentivo e melhores condições do setor para competitividade.
Durante as safras nas usinas de açúcar e álcool há um potencial econômico de produção de eletricidade excedente estimado entre 8 a 12 GW. Considerando a expansão da área plantada até 2012, de 425 para 728 milhões de toneladas, e a construção de novas usinas, poderiam ser gerados 3 mil MW médios de energia.
Numa terceira etapa do Prooinfa, poderiam ser contratados 6,6 mil MW até dezembro de 2009, com início de funcionamento até o final de 2013. Com apoio para modernização das usinas, poderiam ser gerados mais 1,2 mil MW médios. Isso representa uma capacidade instalada superior a das usinas do Rio Madeira, que é de 6,5 mil MW. A indústria nacional tem condições de fornecer os equipamentos necessários com custo de capital baixo em relação a equipamentos importados. Além disso, como a região Centro-Sul concentra as maiores áreas de produção de cana-de-açúcar, tornam-se vantajosos os investimentos na complementação, em razão de a região ser importadora de energia.
O Brasil conta, também, com um potencial de geração a partir de PCHs de cerca de 7,3 GW, dos quais são aproveitados menos de 30%. Existem cerca de 427 centrais desativadas que podem ser reformadas com apoio de um programa governamental de incentivo e acrescentar 156 MW de capacidade ao parque gerador do país, com menos impacto ambiental. O custo unitário de repotencialização está calculado entre US$ 200 e 600 por KW, enquanto o de novos investimentos fica entre US$ 600 e 1.200 por KW.
A energia solar térmica representa uma das mais promissoras alternativas para a racionalização do consumo de energia elétrica. Os aquecedores elétricos de acumulação são responsáveis por 8% do consumo brasileiro de energia elétrica. Somente os chuveiros, nas horas de pico, atingem a marca de 18% da demanda do sistema. Precisamos substituir os chuveiros e outros tipos de equipamentos semelhantes por aquecedores solares.
A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e outras empresas do ramo demonstram que o custo dessa modalidade não é competitivo quando comparado apenas com o custo de geração, mas se considerados todos os custos (geração, transmissão, distribuição, tributos e encargos), o negócio é extremamente vantajoso. Em comunidades de baixa renda, a redução do consumo chega a 50% do total. A empresa já viabilizou, até 2007, 7.000 m² de coletores solares.
Em relação à energia solar fotovoltaica, falta incentivo à instalação de plantas industriais para ampliar a oferta de placas e baratear o custo. A produção precisa atingir o nível de escala, principalmente para atender regiões isoladas onde a rede não chega porque é inviável economicamente para as concessionárias. Quanto à aplicação em centros urbanos, Florianópolis pode dar o exemplo. Há um projeto pronto para iniciar o abastecimento de energia solar do aeroporto da capital catarinense.
O Brasil tem uma das maiores reservas de silício do mundo e não tem indústria. Hoje temos condições de instalar e ampliar plantas industriais para atender o mercado interno e tornarmos uma plataforma de exportação de equipamentos para produção de energia de fontes alternativa. Há demanda mundial por equipamentos e uma cadeia produtiva a ser alavancada com perspectivas de geração de emprego em larga escala. Portanto, o mito de que a energia de fontes renováveis não é competitiva não faz mais sentido.
Um dos sócios de Bill Gates, investidor em empresas de energia solar, disse que a onda por energia limpa é tão forte atualmente quanto foi a onda da informática, nos anos 90. Parece que o empresariado ainda não despertou para a grande oportunidade de negócios que deve proporcionar a produção de energia de fontes limpas.
*Jornalista, Laurez Cerqueira é autor dos livros Florestan Fernandes – Vida e Obra, Florestan Fernandes: um mestre radical, e O outro lado do Real, esse em parceria com o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
(Congresso Em Foco – 21/10/07)
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