terça-feira, 30 de outubro de 2007

Setor quer rapidez para as licenças ambientais

Clayton Levy

As empresas do setor de energia elétrica querem que o governo reduza pela metade o prazo para obtenção de licenciamento ambiental dos projetos considerados de utilidade pública. Segundo os empresários, a demora no processo é um dos principais entraves à construção de novas hidrelétricas. Nos últimos dez anos, a emissão da licença prévia, cujo prazo legal é de um ano, levou em média 1,2 mil dias, de acordo com relatório do Banco Mundial referente a 63 empreendimentos licenciados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A idéia, batizada de fast-track, é encurtar esse prazo para seis meses. "Estamos nos articulando com o Legislativo e o Executivo para discutir a proposta", diz a diretora executiva da Associação Brasileira de Concessionárias de Energia Elétrica (ABCE), Silvia Calou. Segundo ela, o sistema é inspirado na legislação da Califórnia, criada em 2000 durante a crise energética norte-americana. Lá, todos os órgãos foram obrigados a emitir suas recomendações, comentários ou determinações em até 100 dias a partir da solicitação.
No Brasil, sem a licença prévia, que atesta a viabilidade ambiental e localização do empreendimento, nenhum investidor pode participar dos leilões de energia. Após passar por essa fase, a empresa ainda tem de obter as licenças de implantação e construção, num processo que pode se arrastar por anos. Somada aos custos extras decorrentes das "compensações ambientais" e "condicionantes" para equacionar impactos sociais, a demora no licenciamento gera o que as empresas do setor chamam de "clima de imprevisibilidade e insegurança jurídica".
"Estabeleceu-se um ambiente turbulento, que acaba afastando os investidores", pondera Silvia. O principal sintoma dessa tendência pode ser observado no resultado nos leilões realizados recentemente, com previsão de entrada no sistema elétrico até 2012. Do total da energia ofertada, apenas um terço é de origem hidrelétrica. O restante está focado em termelétricas, que usam combustíveis fósseis.
"É lamentável que a demora no licenciamento para hidrelétricas esteja levando o país a optar por fontes de energia mais caras e poluentes", observa o vice-presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, (Abrace) , Eduardo Carlos Spalding. "Há um claro descompasso entre o atual ritmo de licenciamento e a necessidade de hidrelétricas para o atendimento do mercado", completa o presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva. Ambos alertam que a demanda por energia no Brasil vai crescer 28 mil megawatts até 2015. "Para atender a esse consumo seria necessária a construção de duas usinas e meia de Itaipu", adverte Neiva.
Dentro do governo, a idéia do fast-track já conta com pelo menos um aliado. O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, defende a redução do prazo de obtenção da licença prévia para quatro meses. A medida, porém, seria válida apenas para os projetos que já houvessem passado pela Avaliação Ambiental Integrada (AAI). A metodologia, que passou a ser aplicada no ano passado, faz o inventário das bacias levando em conta não apenas o potencial energético, mas também os aspectos sócio-ambientais.
"As empresas ainda teriam de fazer os estudos de impacto para requerer a licença prévia, mas como a AAI também abrange o aspecto sócio-ambiental, o prazo poderia ser menor", pondera Tolmasquim. Segundo ele, no licenciamento ambiental o conteúdo técnico gerado na AAI facilitará os estudos de impacto e oferecerá parâmetros para fundamentar decisões quanto às necessidades de condicionantes para a emissão da licença.
Já o diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, Roberto Messias Franco, admite que há um "prazo dilatado" para o licenciamento, mas atribui a demora à complexidade dos grande projetos. "Quando analisamos um empreendimento grande, com impacto sobre a natureza, populações assentadas e terras indígenas, temos obrigação de estudar profundamente as conseqüências ambientais e sociais", explica.
Para Franco, o processo seria menos demorado se as empresas melhorassem a qualidade dos estudos de impacto. "Há empresários que mandam dados incompletos, enquanto outros apresentam listas de espécies animais e vegetais copiadas de outros empreendimentos, imaginando que não vamos checar", diz. Segundo ele, se os empreendedores apresentarem informações corretas, não haverá necessidade de fast-track. "Não vai ser na base do vapt-vupt, mas com certeza o tempo de espera vai diminuir".
Com ou sem fast-track, Franco avisa que a meta do Ibama é reduzir em 60% o tempo para emissão da licença prévia. Para isso, o órgão está aperfeiçoando processos e contratando pessoal. O número de técnicos dedicados à análise dos documentos subiu de 30 para 140 desde 2003. "A redução de tempo está baseada na racionalização da análise e na qualidade das informações fornecidas", diz.
A falta de regras mais claras sobre as compensações ambientais é outro fator apontado pelos empresários para o aumento nos custos do investimento em hidrelétricas. Atualmente, a chamada compensação sócio-ambiental corresponde a 0,5% do custo de um projeto, mas a exigência não tem regulamentação. "É preciso estabelecer um piso e um teto", defende Silvia. A ABCE propõe limite mínimo de 0,05% e máximo de 0,5% dos custos totais previstos. O teto não poderia passar de R$ 5 milhões.
Outro fator que, segundo os empresários, dificulta a execução dos projetos, são as exigências extras na hora da expedição ou renovação das licenças. Cerca de 70% das chamadas "condicionantes sociais", aparecem após o início da construção, quando o preço da energia já está definido, impondo um custo adicional que varia de 5% a 25% do valor da obra. "Há um repasse do déficit público ao empreendimento, que motiva litígio entre as partes e dificulta a viabilização de muitos projetos", diz o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), Mário Luiz Menel da Cunha.
O diretor do Ibama nega que as condicionantes estejam sendo estabelecidas após a concessão das licenças. "O que pode ocorrer é que as populações atingidas busquem alianças como forma de salvaguardar compensações ou direitos", diz Franco. Embora reconheça as preocupações de determinados grupos, Franco pondera, porém, que o licenciamento ambiental não pode se responsabilizar pela correção de injustiças cometidas no passado.
(Valor Econômico - 30/10/07)

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