segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Estudioso condena usina de Belo Monte

SIMONE ROMERO

Aos 77 anos, o engenheiro civil com ruybahiapós-graduação em geologia do petróleo Ruy Bahia não tem medo de defender idéias polêmicas. Ele diz que a hidrelétrica de Belo Monte será um grande fiasco e condena a excessiva concentração do setor energético brasileiro na matriz hídrica. Suas afirmações são baseadas em 50 anos trabalhando no setor de energia. As últimas décadas foram dedicadas especificamente aos estudos na área de planejamento energético. Bahia diz que o Brasil precisa é diversificar sua matriz e pensar em longo prazo.

Por que o Brasil privilegia a energia gerada pelas hidrelétricas?

Por interesses comerciais e há um problema cultural também. A Eletrobrás deveria ser chamada "hidroeletrobrás" e não Eletrobrás. Ela foi criada para implantar o sistema hidrelétrico. Só tem que chegou um momento em que o fluxo de caixa da Eletrobrás não gera mais receita financeira. No ano de 2007, para evitar o apagão, deveria ter investido US$ 6 bilhões. O problema é que há uma insolvência financeira que tornará obrigatória a mudança da matriz. Além disso, o mundo todo hoje não constrói mais hidrelétricas, principalmente grandes hidrelétricas. As grandes hidrelétricas são armadilhas financeiras.

Por que o senhor aposta tanto no gás?

Eu não aposto no gás. Eu defendo uma matriz diversificada com a participação do gás. É da natureza humana sempre pensar no dia-a-dia, mas o setor energético precisa ser pensado em longo prazo. Está se dando pouca importância para essas megadescobertas da Petrobrás em reservas de óleo e gás na bacia de Santos, mas elas têm um significado enorme no sistema energético nacional. Essas reservas vão tornar o Brasil auto-suficiente em gás e óleo.

Como essas reservas vão alterar o perfil energético do Brasil?

As regiões Sul e Sudeste concentram mais de 80% do PIB brasileiro, mais de 80% da demanda elétrica e mais de 80% da população. É uma felicidade que em frente a esse mercado enorme a Petrobrás tenha descoberto esses mega-poços. Eu considero que essas descobertas tornam as regiões Sul e Sudeste independentes das grandes hidrelétricas da Amazônia. Porque não faz mais sentido, não tem mais lógica, você construir grandes usinas para transmitir energia elétrica para uma região que já é auto-suficiente em gás. Só a lógica do interesse comercial é que defende essas grandes hidrelétricas.

Já temos tecnologia hoje para explorar essas reservas?

Esses blocos onde foram feitas as descobertas foram arrematados pela Petrobrás em 2000. O centro de pesquisas da Petrobrás, no entanto, só partiu para explorar essas áreas em 2005, devido à grande profundidade. A Petrobrás já está fazendo planos para em 2012 começar a produzir óleo e gás dessas reservas. Hoje não temos tecnologia para explorar esses campos, mas é um desafio tecnológico que será vencido nos próximos anos.

O gás é um combustível fóssil. Como pode ser ambientalmente correto?

O gás é a fonte energética da moda porque ele emite pouco enxofre, tem reduzida emissão de CO2 e queima sem resíduo. Todas as fontes térmicas têm resíduo. O carvão mineral, por exemplo, você queima e ficam as cinzas.

Qual sua opinião sobre Belo Monte ?

Ela será um fiasco quatro vezes maior do que Balbina (AM) porque é quatro vezes maior do que a hidrelétrica do Amazonas. Ambas têm baixa eficiência energética. Em 20 anos Balbina só produziu 70 MW de energia firme e foi construíida para fornecer 250 MW. Basta dividir 70 por 250 para ver que a eficiência é de apenas 28%. Fora da Amazônia a eficiência das hidrelétricas é de 50%.

Então, por que insistir na construção?

Mais uma vez, interesses comerciais. Foi o que o procurador Felício Pontes já afirmou. Belo Monte não interessa à sociedade. Só interessa aos construtores de barragens, aos barrageiros.

O que o futuro do setor energético aponta?

Por exemplo, até 2030 é esperado que já se tenha um protótipo, na França, de uma usina nuclear de fusão a partir do hidrogênio. Um processo semelhante ao que acontece no sol. A tecnologia vem sendo estudada por um consórcio formado por pequisadores de vários países. O custo da energia solar também está baixando e é uma alternativa em longo prazo. Num futuro depois de 2030, os grandes consumidores serão abastecidos por usinas com reator de fusão nuclear, que não gera radioatividade, e os consumidores menores com energia solar.

As usinas nucleares não são perigosas?

Com a tecnologia atual de fissão do urânio a poluição já é zero. O que existe é o risco de contaminação ambiental, como aconteceu em Chernobil. Em Chernobil o reator não tinha um vaso de contenção para evitar o vazamento. Não foi acidente, foi irresponsabilidade. O único outro acidente ocorreu em Three Mile Island, nos Estados Unidos, mas como a usina tinha vaso de contenção não houve poluição ambiental. Em 30, 40 anos de operação com usinas nucleares - são mais de 400 em operação -, só existem dois casos de vazamento. Então é uma tecnologia segura e limpa. Com o aquecimento global, as usinas nucleares têm sido lembradas porque têm emissão zero. O risco de acidente é potencial. Com o domínio da tecnologia de fusão nuclear do hidrogênio, as atuais serão substituídas.

E para o Pará, qual a matriz energética?

Pequenas e médias usinas hidrelétricas. Existe um potencial hídrico que pode ser aproveitado economicamente, principalmente na região não florestada do Araguaia Tocantins, que ninguém fala porque é coisa de mil MW. Apenas para uso interno do Estado do Pará.

(O Liberal – 27/01/08)

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