Por Camila Fusco e Sérgio Teixeira Jr.
O ano de 2008 será decisivo para a corrida das energias renováveis e, mais uma vez, o Brasil vai ocupar uma posição de destaque mundial. Embora os investimentos em alternativas ao petróleo e ao carvão venham crescendo de forma acelerada nos últimos dois anos -- chegaram a 85 bilhões de dólares em 2007, crescimento de 20% sobre o ano anterior --, um eventual aperto nos mercados de crédito mundiais pode limitar os recursos destinados ao setor. Ninguém se arrisca a fazer previsões sobre os rumos da economia mundial no próximo ano, especialmente a dos Estados Unidos, mas parece claro que uma desaceleração representará inevitável atraso no desenvolvimento de alternativas aos combustíveis fósseis. Os financiadores das novas tecnologias energéticas têm os olhos fixos no mercado de capitais -- as empresas de energia solar estiveram entre as estrelas da bolsa americana Nasdaq este ano --, e a perspectiva de um mercado pouco receptivo certamente vai diminuir o apetite dos capitalistas de risco. Ao mesmo tempo, devem crescer as pressões por subsídios e regulamentações que ajudem a viabilizar as fontes de energia limpa. Ainda é infinitamente mais barato empurrar a economia adiante jogando dióxido de carbono na atmosfera e, sem incentivos ou obrigações, argumentam os investidores e empreendedores, o planeta não vai conseguir reduzir sua dependência dos vilões da mudança no clima. O complexo jogo de forças da matriz energética planetária deve ser um dos principais itens da agenda dos líderes globais, sejam eles das empresas ou dos governos -- e todos vão olhar para as bem-sucedidas experiências brasileiras.
O maior exemplo, claro, é a produção de etanol. Enquanto os produtores americanos ainda dependem de pesadíssimos subsídios governamentais, o combustível brasileiro hoje é extremamente competitivo. E deve surgir uma novidade importante entre os produtores de cana-de-açúcar: além de abastecer os carros de etanol, a planta será cada vez mais usada na geração de eletricidade. Hoje, as usinas aproveitam apenas cerca de um terço do bagaço e da palha da cana para gerar energia elétrica -- que, em geral, é consumida na produção de álcool e açúcar. Os dois terços desperdiçados têm um enorme valor, e ele começará aparecer em 2008, com maior aproveitamento da biomassa. De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), o potencial elétrico da biomassa da cana já é equivalente à produção esperada da hidrelétrica do rio Madeira e, em cinco anos, será igual à da usina de Itaipu. Mas, para que essa promessa se concretize, falta uma definição política: o governo precisa tomar a decisão de incentivar essa energia limpa pagando melhores preços. "Se o governo está mesmo preocupado com a crise energética, deve criar incentivos fiscais para o desenvolvimento de energias alternativas", diz Marcos Jank, presidente da Unica. "Queremos que o álcool seja o primeiro produto, a eletricidade, o segundo, e o açúcar, o terceiro." Além do preço, existe um outro fator importante: como ligar as usinas à rede elétrica. O investimento não é pequeno -- mas certamente os custos de transmissão serão menores do que os das usinas da Amazônia.
Decisões tomadas hoje são importantes, pois as energias alternativas exigem um longo processo de desenvolvimento tecnológico, ganhos de escala e maturação. "Estamos em plena reestruturação cultural. Serão necessários pelo menos 20 anos para transformar os hábitos em relação de energia", diz Michael Liebreich, presidente da New Energy Finance, consultoria britância, e um dos maiores especialistas do mundo em energia renovável. A tecnologia de painéis solares já é conhecida há décadas, mas ainda tem um custo alto de produção quando comparada às fontes tradicionais. O mesmo vale para a energia eólica. O país tem grande potencial para ambas, mas elas ainda não são subexploradas. É claro que o Brasil é o país dos rios e das hidrelétricas, uma tecnologia dominada e que oferece um dos melhores custos de produção do mundo. Ainda assim, mais poderia ser feito, dizem os especialistas. O Proinfa, programa do governo federal para estimular pequenas hidrelétricas e fontes alternativas de eletricidade, tem resultados muito tímidos, diz Célio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia: "Até o fim de 2006, o Proinfa não chegou a 23% das metas estabelecidas." Uma das principais críticas diz respeito à estabilidade das regras. Existem vários projetos de energia eólica já aprovados, mas que não são levados adiante porque não há garantia de que a energia será comprada a preços que justifiquem os investimentos. Além do aprendizado tecnológico, existem razões estratégicas para o investimento. "É um ciclo inversamente proporcional. Quando o nível dos rios está mais baixo é quando os ventos sopram mais forte, enquanto a época de ventos mais fracos é a de maior vazão nos rios", diz Sérgio Marques, presidente da Bioenergy, empresa que opera turbinas de vento na Região Nordeste. Finalmente, há muito o que fazer em termos de economia e eficiência. Hoje, 15% em média de toda a energia elétrica que é gerada é perdida no caminho de transmissão até a casa do usuário. Com uma redução de apenas 10% nesse desperdício, o ganho seria enorme. "Seria a mesma coisa a construir outra usina do porte do rio Madeira em um intervalo de tempo muito mais curto e com muito menos recursos", diz Bermann, da USP. Como se vê, com um pouco de visão estratégica e determinação, o Brasil pode consolidar sua posição como referência mundial nas energias do futuro.
(Revista Exame - 29/12/07)
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