sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Camargo terá Tucuruí e Porce como modelos para obras no Madeira

Yan Boechat
07/12/2007

Em um vale com escarpas que não raro alcançam mil metros de altura no meio da floresta colombiana, aos pés da cordilheira andina, a Construtora Camargo Corrêa está realizando sua maior obra no exterior. É no meio desse vale cortado pelo Rio Porce e a 150 quilômetros de Medelin, a segunda maior cidade do país, que a empresa brasileira ergue a terceira maior hidrelétrica da Colômbia. Não chega a ser uma usina de grande porte quando comparada aos padrões brasileiros - terá apenas 660 megawatts. Mas os acidentes geográficos dessa região isolada, distante a mais de quatro horas de carro da principal cidade do Departamento de Antioquia por estradas extremamente sinuosas, fazem desta obra um dos cartões de visita preferidos da Camargo Corrêa.

Encravados nas encostas que fazem com que esse vale mais se pareça com um caniôn, mais de 2,5 mil homens estão construindo a usina de Porce III. Ali, tudo é difícil. Os trabalhadores e o maquinário se movimentam por estradas íngremes que cortam as escarpas, escavam túneis quilométricos na rocha maciça com a ajuda de equipamentos pesados e vivem quase como os petroleiros embarcados nas plataformas marinhas. São 15 dias de trabalho duro, vivendo confinados no acampamento, e apenas dois dias de folga, quando podem visitar as famílias.

Para construir Porce III foi criada quase uma cidade que, no pico das obras, terá mais de três mil habitantes. "Aqui temos tudo o que uma cidade pequena tem: posto médico, escolas, área de lazer e, claro, muito trabalho", diz Luiz Sérgio Matias Bueno, diretor-geral obra.

A usina colombiana é pequena quando comparada à gradiosidade da hidrelétrica Santo Antônio, localizada no Rio Madeira, em Rondônia, e que será leiloada na segunda-feira. Sua capacidade de geração é bem menor, as condições de construção das obras civis são de uma complexidade inferior ao trabalho que será executado no meio da floresta amazônica e os US$ 440 milhões em que está orçada representam pouco menos de 10% do valor total da primeira usina do complexo do Rio Madeira.

Ainda assim, ela é, na visão da construtora brasileira, uma de suas principais credenciais para conquistar o direito de construir Santo Antônio, uma usina com 3,15 mil megawatts, quase cinco vezes mais que a usina colombiana e orçada em cerca de R$ 9,5 bilhões. "O grande desafio do Madeira não é a questão tecnológica, isso ficará com os fornecedores de equipamentos", diz João Auler, vice-presidente da construtora. "O desafio será montar uma estrutura que funcione em uma região tão complexa como é a Amazônia".

Porce é apenas uma parte ínfima no que a Camargo Corrêa acredita ser seu maior ativo: a experiência em construir obras de engenharia complexas em áreas isoladas. O maior trunfo, na visão da companhia, é a experiência de ter erguido a usina de Tucuruí, também no meio da floresta amazônica, a 300 quilômetros de Belém do Pará. Para Auler, o diferencial na qualidade da obra virá exatamente do complexo logístico que precisará ser montado para que tudo corra bem em um região de tão difícil acesso.. "Em Tucuruí criamos uma estrutura fixa para sete mil homens, é essa capacidade de gerenciamento em áreas como essas que nos credencia". Em Santo Antônio, cerca de três mil operários vão trabalhar durante os seis anos de obras.

Tucurí é um exemplo de sucesso que a Camargo faz questão de não dividir com sua principal concorrente, que também inclui a construção da usina paraense entre seus feitos. "A Odebrecht diz que construiu Tucuruí, mas isso não é exatamente verdade", diz Auler. "Nós fizemos toda a obra, eles participaram apenas da instalação dos equipamentos".

A provocação de Auler é fácil de ser entendida. Camargo e Odebrecht são as principais rivais na disputa pelo direito de construir Santo Antônio, um projeto que deve envolver apenas nas obras civis algo próximo a R$ 5 bilhões. É até possível que nenhuma das duas faça parte da construção da usina, caso o consórcio liderado pela Belga Suez vença o leilão e escolha uma terceira construtora. Mas é muito improvável. Para o mercado, se a Suez vencer, uma ou as duas devem participar da construção. A Odebrecht, procurada pelo Valor repetidas vezes, desde o dia 22, preferiu não se manifestar sobre sua experiência no setor ou sobre o projeto Madeira.

Para a Camargo Corrêa participar da construção de Santo Antônio é quase uma obrigação. Auler utiliza como argumento principal o fato de a companhia ser uma das pioneiras na construção de hidrelétricas no país. "Mais de 50% da capacidade instalada no Brasil foi a Camargo que fez", diz ele. "Somos responsáveis por 7% da capacidade hidrelétrica mundial, não podemos ficar de fora de um projeto dessa magnitude". Mas, além das questões que tocam o orgulho histórico da empresa, a Camargo está de olho mesmo no gordo contrato que será assinado.

Se conseguir o direito de erguer a usina, sua carteira de contratos, que hoje é de R$ 7 bilhões, deve crescer mais de 50% - seu faturamento deve fechar este ano em R$ 3,3 bilhões. A Odebrecht, em 2006, tinha uma carteira de R$ 15 bilhões e receita de R$ 7 bilhões.

Hoje, o segmento hidrelétrico responde por cerca de 30% das receitas da Camargo e aproximadamente 25% de sua carteira de contratos. Neste momento, a companhia está construindo oito hidrelétricas, sete delas no Brasil. "O segmento hidrelétrico é extremamente importante e, nos próximos cinco anos, cerca de R$ 30 bilhões em potenciais contratos estarão no mercado apenas no Brasil", diz o vice-presidente da Camargo.

Apesar de todo retrospecto na construção de usinas hidrelétricas, a Camargo Corrêa nunca ergueu uma no formato que será a de Santo Antônio, que utilizará uma técnica conhecida como fio d"água. Em usinas desse tipo, a queda de água não é o fator principal na geração de energia. Usinas como essas, comuns na Europa, se utilizam da correnteza e do volume de vazão para fazer com que as turbinas, que nesse caso são instaladas horizontalmente, girem e produzam a energia elétrica. A Camargo é especializada em construir usinas que se aproveitam do desnível, como a de Porce, onde um túnel de 12 quilômetros de extensão transporta a água do reservatório até a turbina, utilizando o declive da montanha para que a energia seja gerada.

Talvez por isso a companhia tenha Porce e Tucuruí como seus maiores exemplos para mostrar ao governo e, eventualmente à própria Suez, de que é capaz de erguer um tipo de usina que nunca construiu antes.

O repórter viajou a convite da Camargo Corrêa

(Valor Econômico - 07/12)

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