sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Santo Antônio é o primeiro passo rumo à Amazônia

Cláudia Schüffner

Na segunda-feira o governo federal retoma as grandes obras do setor elétrico, ao leiloar a licença para construção da usina hidrelétrica Santo Antônio, a primeira no rio Madeira. Com ela o país começa a explorar o potencial da bacia amazônica.
Santo Antônio terá capacidade de gerar 3,150 mil megawatts (MW) e o investimento previsto é de R$ 9,5 bilhões, em valores de 2006. Três consórcios, cada um associado com uma estatal, disputam a obra. Deles fazem parte multinacionais de geração como a espanhola Endesa e a franco-belga Suez Energy, e distribuidoras nacionais como a Cemig e a CPFL. Representando o estado estão Furnas, Chesf e Eletrosul, todas subsidiárias da Eletrobrás.
Inicialmente, prevista como obra sem qualquer concorrência, o projeto das duas usinas do Madeira - a segunda é Jirau, que será leiloada no próximo ano - foi concebido por um grupo liderado por Furnas e pela Odebrecht, que não esperava concorrentes. Posteriormente o governo decidiu forçar a competição através de um leilão, incentivando a participação de outros grupos. Foi quando se descobriu uma série de contratos de exclusividade firmados pela Odebrecht e Furnas com fabricantes de equipamentos, bancos e seguradoras que precisou ser desmontado com a entrada da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Joísa Campanher Dutra, diretora da Aneel que relatou o edital de licitação de Santo Antônio, admite que apesar de terem sido feitos todos os esforços para democratizar as informações técnicas para todos os consórcios, "a assimetria entre os participantes é algo problemático", já que o consórcio Odebrecht-Furnas teve prazo maior para estudar o projeto das hidrelétricas.
A competição que se viu a partir daí - inclusive com um projeto alternativo produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) - será benéfica para os consumidores. A tarifa inicial do leilão caiu quase R$ 50, passando de R$ 170 para os R$ 122 fixados como teto para o megawatt/hora (MW/h). Quem faz os cálculos é o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim. Ele se diz satisfeito com a participação de três grupos de porte e robustez econômica no leilão. E agora se diz aliviado.
"De todos os leilões que fizemos, esse é o mais tranqüilo. Quem quer que ganhe, é um bom ganhador. É a primeira vez que durmo tranqüilo às vésperas de um leilão", admite Tolmasquim. "Conseguimos ultrapassar um grande obstáculo ambiental e outro elemento importante é que os inscritos são extremamente robustos, tanto do ponto de vista técnico quanto financeiro. Se tivéssemos um aventureiro que ganhasse o leilão teríamos um pesadelo de três ou quatro anos de duração", completa o presidente da EPE.
O leilão da hidrelétrica Santo Antônio é do tipo reverso, ou seja, ganha quem oferecer o menor preço abaixo do teto, fixado em R$ 122 por MW/hora. A expectativa do governo é que não haja grande deságio. Ao final do leilão, o vencedor terá que informar ao governo quanto da energia da usina será oferecida para as 31 distribuidoras de energia elétrica que depositaram garantias e estão aptas a participar como um "pool" de compradores.
O edital exige que 70% da energia da usina sejam destinados aos clientes cativos das distribuidoras. Os 30% restantes podem, ou não, a critério do consórcio, serem vendidos para auto-produtores de energia ou oferecidos posteriormente no mercado livre. É uma boa oportunidade para grandes consumidores de energia e auto-produtores que operam no mercado "livre" comprarem energia mais em conta, dada a escassez de oferta de novos empreendimentos no país.
As negociações de auto-produtores com os líderes dos três consórcios foram intensas nos últimos dias. Mas o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Auto-Produção de Energia Elétrica (Abiape), Mario Menel, reclama do preço que está sendo oferecido para fechar o negócio antes do leilão, que é maior que o teto estipulado pelo governo para o leilão. A Abiape representa investidores de grande porte como a Vale, Gerdau e CSN.
"Eles (os consórcios) estão pedindo entre R$ 135 e R$ 140 por MW/h. É uma participação superior a 30% no investimento para se ter 30% da energia", ressalta Mario Menel.
O vencedor assinará o contrato de concessão em maio de 2008. Até lá, qualquer empresa pode entrar na Sociedade de Propósito Específico (SPE) usada como veículo pelo consórcio, desde que não tenha participado do leilão em outro grupo. Se Furnas-Odebrecht não ganharem, serão reembolsados em R$ 48,4 milhões pelos estudos de viabilidade e de impacto ambiental da obra. Os participantes vão ao leilão sem conhecer a taxa de compensação ambiental. Fixada com base no valor do investimento, atualmente o valor cobrado é de 0,5% mas o Ministério do Meio Ambiente prepara uma portaria para aumentar esse percentual para até 2%. O que deve acontecer é que provavelmente os consórcios serão conservadores ao fixar a tarifa.
No segundo semestre de 2008, o governo vai licitar a linha de transmissão de 2,5 mil quilômetros que vai carregar a energia de Santo Antônio até São Paulo, atravessando os estados de Rondônia e Mato Grosso. Grandes empresas de linhas de transmissão já estudam o projeto.
A última obra de grande porte construída no Brasil foi a hidrelétrica de Xingó, que é da década de 90 e tem capacidade instalada de gerar 3.000 MW no rio São Francisco. Apesar de ter 85% da matriz energética baseada em hidreletricidade - a maior do mundo, diga-se - o Brasil só utiliza um terço desse potencial. Dos dois terços inexplorados, 65% estão na Amazônia. (Colaborou Daniel Rittner, de Brasília)
(Valor Econômico - 07/12)

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