terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Dou-lhe uma, duas...

Luís Osvaldo Grossmann - Da equipe do Correio


Mais do que a maior obra de infra-estrutura do Brasil atual, o leilão de hoje para a construção da primeira das duas usinas do Rio Madeira, em Rondônia, a de Santo Antônio, marca a retomada da exploração de eletricidade na última fronteira hídrica do país, justamente a com maior potencial: a Amazônia. A área da floresta tropical tem capacidade para triplicar a oferta de energia hidrelétrica — e isso numa nação que já conta com a força das águas para gerar 85% de sua matriz energética. Na fila estão Jirau, a segunda usina prevista para o Madeira, e Belo Monte, no Pará, que deve ser leiloada em 2009.

Claro que, como todos os temas que tratam de empreendimentos na Região Amazônica, a construção de hidrelétricas na floresta garante motivos de sobra para controvérsias. O próprio leilão desta segunda-feira sofre a ameaça de uma ação judicial movida por ambientalistas. Até aí não há surpresas num processo que começou há sete anos e foi várias vezes paralisado por discussões sobre o impacto no meio ambiente.

A própria licença para a construção da usina, uma obra estimada em R$ 9,5 bilhões e com capacidade média de geração de energia calculada em 2,1 mil megawatts/hora (MW/h), causou um racha no governo. Num país que de tempos em tempos flerta com a escassez de eletricidade, a área de energia do governo pressionava por mais rapidez no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), uma vez que a geração de Santo Antônio, a primeira das duas usinas previstas para o Madeira, já estava na base do consumo previsto a partir de 2012.

Na berlinda, a área ambiental não escondia suas reservas à exploração na Amazônia e pedia tempo para avaliar o processo com cautela. Quando a versão preliminar da análise do Ibama foi negativa, o clima esquentou — teria provocado até bate-boca entre as ministras da Casa Civil, Dilma Rousseff, e de Meio Ambiente, Marina Silva —, a ponto de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazer críticas públicas ao instituto. A licença acabou sendo concedida em setembro e o próprio Ibama admitiu que o trabalho seria referência para futuras construções de hidrelétricas na Região Amazônica.

Os dois lados da questão têm méritos. A fartura de água no Brasil deu ao país um diferencial no campo da energia, onde, como mencionado, 85% da eletricidade é hídrica. É uma fonte mais “limpa” que as termelétricas e mais barata, pois apesar do custo para erguer uma usina, o combustível é grátis. Como o potencial do Sul, Sudeste e mesmo do Nordeste já foi utilizado, e o consumo continua crescendo, resta a fronteira Norte.

Além disso, a ausência de novos projetos hidrelétricos na última década vêm levando o país ao uso cada vez mais intensivo de usinas movidas a óleo combustível ou carvão. E esse é um dos argumentos mais utilizados por quem defende a expansão para a Amazônia. Se a idéia é defender o meio ambiente, parece um contra-senso impedir o uso de usinas hídricas e, com isso, mover-se para a geração movida a combustíveis fósseis — o uso em larga escala da energia solar ou eólica ainda não tem custo competitivo.

Passado frustrante

Os ambientalistas, naturalmente, temem os impactos de grandes obras de infra-estrutura na maior biosfera do planeta, seja pelo desmatamento, pelo reflexo para quem depende dos rios para comer e viver, pelo fluxo migratório para a região e pelos efeitos sobre áreas indígenas. E talvez mais do que tudo isso, lembram que a última iniciativa semelhante do Brasil na Região da Amazônia, a hidrelétrica de Balbina, próxima a Manaus, teve um péssimo resultado.

Projetada ainda durante a ditadura militar, Balbina foi inaugurada em 1989 e inundou 2,4 mil quilômetros quadrados de florestas nativas. Apesar do lago gigantesco, foi erguida para gerar, no máximo, 250 MW. Quase 20 anos depois, porém, é de longe a mais ineficiente das 110 hidrelétricas do país, conseguindo meros 130 MW médios. Além disso, a vegetação submersa, que não foi retirada, gera 10 vezes mais gases poluentes do que uma termelétrica com a mesma capacidade. Com área inundada equivalente, Tucuruí, no Pará, pode gerar mais de 7 mil MW.

“As usinas do Madeira são uma fronteira importante para iniciarmos o aproveitamento da energia da região. E do ponto de vista da oferta e demanda de energia é fundamental para o país. Claro que é uma área que tem toda uma preocupação ambiental, especialmente depois que Balbina virou uma barreira negativa, mas a proposta ambiental agora é totalmente diferente”, diz o presidente da Comissão Especial de Licitação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Hélvio Guerra.

A principal diferença está na tecnologia utilizada em Santo Antônio, e que também será usada em Jirau. Trata-se do tipo de turbina, bulbo, especial para pequenas quedas d’água. Mesmo com 44 delas instaladas em cada hidrelétrica, a área alagada será consideravelmente menor (271 km²), pois não exige grandes reservatórios.

A expectativa é de que Jirau seja leiloada até o fim do primeiro semestre de 2008 e, como admitem integrantes do governo, há uma boa chance do vencedor de hoje arrematar também a segunda usina do Rio Madeira. “Quem ganhar o leilão tem vantagens no outro, sem dúvida, porque pode ter ganhos de escala”, reconheceu o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia, Maurício Tolmasquim.

A expansão na Amazônia continua com a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. A idéia é que a licença ambiental da usina — com potência prevista superior a 11 mil MW e reservatório de 400 km² — seja obtida no ano que vem para licitação em 2009.

Três grupos na disputa

Os três grupos que concorrem à obra de Santo Antônio foram oficializados há menos de 10 dias, mas a briga pela hidrelétrica começou muito antes. As construtoras Norberto Odebrecht e Camargo Corrêa travam uma guerra particular desde o anúncio da licença ambiental, em setembro. Uma briga com raízes mais profundas.

A Odebrecht se interessou pela obra ainda em 2003, quando obteve o direito de iniciar os estudos de viabilidade das hidrelétricas. Pouco depois, a empreiteira firmou um contrato com Furnas Centrais Elétricas, que previa sociedade para a construção das usinas. Esse contrato, porém, não só impedia a estatal de, em caso de separação, unir-se a outro concorrente, como também barrava as demais subsidiárias da Eletrobrás (Chesf, Eletronorte e Eletrosul) de competir também.

Apesar desse contrato ser de 2005, só este ano a extensão desses limites foi mensurada e entrou em colisão com os planos do governo para o leilão. A idéia do Ministério de Minas e Energia era deixar a disputa apenas para empresas privadas, ficando as estatais disponíveis para sociedade posterior.

Pressionado pelos outros interessados na obra, mas incapaz de desfazer o contrato entre Odebrecht e Furnas, o governo partiu para uma solução negociada com a construtora. As demais subsidiárias de Eletrobrás foram “liberadas” para se associarem aos outros concorrentes.

A Camargo Corrêa também questionou contratos de exclusividade que a Odebrecht firmara com fornecedores de equipamentos e a questão acabou levada ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A Odebrecht aceitou acordo e abriu mão das exclusividades. Durante esse processo, o leilão foi adiado três vezes.

A expectativa de compor quatro concorrentes, no entanto, acabou frustrada pela falta de um acordo entre a Eletronorte e o grupo liderado pela Alusa. Ambas chegaram a se inscrever separadamente, mas desistiram antes de entregar as garantias financeiras.

Além de Furnas, o consórcio liderado pela Odebrecht reúne a construtora Andrade Gutierrez, a também estatal Cemig e os bancos Santander e Banip. Com a Camargo Corrêa estão a Chesf, a CPFL energia e a espanhola Endesa. A Suez Energy South America, que no Brasil comanda a maior geradora privada de energia, uniu-se à Eletrosul. (LOG)

(Correio Braziliense – 10/12/07)

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