José Goldemberg
O fim do ano de 2007 foi marcado por um número significativo de conferências internacionais dedicadas ao desenvolvimento sustentável. Entenda-se por isto um desenvolvimento que pode durar, e não um desenvolvimento que redunde apenas num crescimento ininterrupto da renda, como entendem erroneamente certas autoridades. Na visão delas, produto interno bruto é o que conta, não um índice de desenvolvimento humano que meça a qualidade de vida, e não apenas a renda.
Para garantir um desenvolvimento sustentado é preciso energia, e o mundo moderno vive consumindo os recursos naturais fósseis - petróleo, gás e carvão -, o que não pode durar, porque eles são finitos e os principais responsáveis pela poluição. A solução existe e se baseia na busca de energias renováveis, por vários caminhos: hidrelétrica, dos ventos, solar térmica, fotovoltaica e, principalmente, a energia armazenada nas plantas, a biomassa.
Em Bali se discutiu, embora sem muito sucesso - apesar da recente adesão da Austrália -, como reduzir as emissões resultantes do uso de combustíveis fósseis e como essa redução deve ser distribuída entre os vários países, desde os grandes poluidores, como EUA, China e Brasil, até as prováveis vítimas do aquecimento global, como Bangladesh.
Em Florianópolis, há algumas semanas, discutiu-se o que fazer para manter o Brasil num rumo que seja sustentável do ponto de vista energético e ambiental. A ocasião foi um Fórum de Energia Renovável e Sustentabilidade, chamado de Ecopower, organizado com competência e com o apoio do governo de Santa Catarina. Abrilhantou a reunião a conferência de Mohamed Yunes, fundador do “banco dos pobres” em Bangladesh e que recebeu, por seu trabalho inovador, o Prêmio Nobel da Paz.
Os problemas que o Brasil enfrenta nesta área são basicamente desmatamento e como manter “limpa” a nossa matriz energética.
O desmatamento da Amazônia poderá levar boa parte daquela região a se transformar numa savana, o que terá seriíssimas conseqüências para o clima do País, já que o desmatamento é o principal contribuidor das nossas emissões de carbono e objeto de críticas generalizadas dentro e fora do Brasil. Como evitar este desmatamento e gerar empregos e renda para os mais de 20 milhões que lá vivem é o grande desafio. Foi lembrado em Florianópolis o exemplo do Estado do Amazonas, onde 98% da cobertura florestal está intacta, uma vez que a Zona Franca de Manaus oferece uma alternativa de empregos e renda. Foi discutida também a ingênua proposta que o governo federal levou a Bali, de cobrar dos países ricos recursos paras manter a “floresta em pé” por meio da filantropia internacional. Seria menos ingênuo dar créditos de carbono aos países ricos (ou empresas) que pagassem pela proteção da floresta, o que é rejeitado pelo governo com base no dúbio argumento de que “nossa idéia não é preservar a Amazônia para que os outros possam emitir”, nas palavras do secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. O próprio presidente da República declarou recentemente que os países ricos emitiram no passado e agora chegou a nossa vez de nos desenvolvermos (e, portanto, emitir). A concepção do governo federal é errada, porque é possível se desenvolver sem repetir os erros do passado, mesmo porque não se conheciam na época as graves conseqüências que o desmatamento traria.
A expansão da produção de eletricidade, que até agora é mais de 80% hidrelétrica (portanto, “limpa”), é o outro grande problema. Segundo o presidente da Empresa de Planejamento Energético, Maurício Tolmasquim, o governo quer expandir a produção de eletricidade na Amazônia, mas a oposição dos ambientalistas está inviabilizando essa solução. Daí a segunda opção, que é aumentar a geração térmica à base de carvão e a energia nuclear, que são mais “sujas” que as hidrelétricas. Na realidade, as térmicas a carvão estão vencendo os leilões de novas usinas, não por culpa dos ambientalistas, mas do modelo de licitação usado pelo governo, que privilegia os projetos que forneçam eletricidade ao menor preço. É o mesmo modelo usado na licitação de rodovias. Sucede que gerar energia tem conseqüências ambientais muito mais sérias do que construir e operar uma rodovia, e os leilões deveriam contemplar estas diferenças.
Além disso, há outras energias “limpas”, às quais o governo federal não dá ênfase. A principal alternativa é mesmo a conservação de energia, isto é, a melhoria da eficiência dos equipamentos que geram e consomem eletricidade, o que outros países fazem há décadas. Juntam-se a isto as energias renováveis, como a queima de bagaço de cana para gerar eletricidade, que está crescendo muito em São Paulo, a energia dos ventos (no norte e no sul do País) e pequenas centrais hidrelétricas.
A falta de clareza e o desinteresse por estas soluções se refletiu na Conferência de Bali, onde o Brasil, a nosso ver, deveria ter proposto formas concretas de reduzir suas emissões, bem como as dos outros países em desenvolvimento, como China e Índia, o que forçaria os EUA a aceitarem também reduções. A situação atual é confortável para a China e para os EUA, que, juntos, respondem pela metade das emissões e fazem o jogo de se culpar mutuamente pelo problema.
Ações voluntárias, como as que o Brasil propôs, não impressionaram ninguém, porque não há forma de cobrar resultados nem permitem criar um mercado de venda de créditos de carbono.
A adoção de metas de redução e um calendário para atingi-las foi o que o Protocolo de Kyoto fez, e o Brasil não seria prejudicado se as aceitasse, porque a redução do desmatamento permitiria facilmente que tais metas fossem cumpridas.
José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo
(O Estado de S. Paulo - 17/12/07)
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