quarta-feira, 30 de julho de 2008
Grandes Projetos: De volta ao Pará
A Vale anuncia uma grande aciaria e o governo federal diz que desta vez sairá a hidrelétrica de Belo Monte. São bilhões e mais bilhões em investimentos. Desta vez o Pará irá mesmo se desenvolver ou é mais uma ilusão?
Há uma nova onda de grandes investimentos desabando simultaneamente no Pará. Um deles foi anunciado com todas as letras na quinzena passada: a Companhia Vale do Rio Doce garante que, desta vez, dará um passo a mais na transformação do minério de ferro, que extrai há um quarto de século das minas de Carajás, em escala crescente (o que fez o horizonte da exploração cair de 400 para menos de 150 anos). A empresa disse que investirá seis bilhões de dólares numa fábrica que produzirá 2,6 milhões de toneladas de placas de aço em Marabá, no Pará.
É negócio de causar impacto em qualquer parte do mundo, mas sobretudo no Pará, que há seis anos vem disputando essa obra com o Maranhão. A Vale ainda juntará no pacote algumas outras iniciativas para ajudar o Estado a sair do mero extrativismo mineral, para cuja manutenção a ex-estatal tem dado sua decisiva colaboração. Mas o governo terá que fazer a sua parte, que não será pequena. Uma das contrapartidas poderá ser o licenciamento ambiental da usina de energia que a Vale planeja construir em Barcarena, com capacidade para 600 mil kW (o equivalente a quase duas das 21 turbinas que funcionam na hidrelétrica de Tucuruí), uma das maiores do programa de termelétricas no país.
A usina será à base de carvão mineral importado, um dos processos mais poluidores que há. Além de anunciar o uso da tecnologia mais limpa que existe, a Vale argumenta em defesa do seu projeto que não há alternativa no prazo que lhe interessa para permitir a ampliação da capacidade de produção da Albrás, a 8ª maior fábrica de alumínio do mundo, instalada em Barcarena. A Albrás estagnou, por causa de sua intensa demanda de energia não suprida, enquanto a vizinha Alunorte, que produz alumina, o insumo para o metal, cresceu tanto que se tornou a maior do mundo, por exigir muito menos energia.
De fato, não há nenhuma outra possibilidade de curto prazo para adicionar a quantidade de energia exigida por uma fundição de alumínio como a da Albrás. Por isso mesmo, o governo federal tomou providências para colocar o projeto da hidrelétrica de Belo Monte na prancheta de execução. Numa ofensiva orquestrada, o Conselho Nacional de Política Energética decretou que haverá um único aproveitamento na bacia do Xingu, o de Belo Monte. O governo renunciou a construir mais três barragens que estavam incluídas no programa de obras da Eletronorte para não causar maior impacto ecológico nem efeitos nocivos aos índios e ao restante da população da área. Com tal compromisso, o complicado e acidentado licenciamento ambiental poderá finalmente sair.
Em sã consciência, ninguém poderia se opor a uma obra que produzirá um terço de energia a mais do que Tucuruí, a quarta do mundo, inundando uma área sete vezes menor, o que proporcionaria o menor custo por kW instalado do mercado. A facilidade com que os dados são manipulados, conforme as diferentes configurações dos projetos apresentados pela Eletronorte, porém, não cria nenhuma segurança entre os que analisam a partir de fora o plano energético para o Xingu. O próprio diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman, foi claro: a decisão do governo de se limitar a uma hidrelétrica no Xingu foi política e não técnica. Do ponto de vista técnico, ele não tem dúvida de que seria viável implantar os outros três aproveitamentos, que resultariam em mais 3,5 mil megawatts adicionados aos 11,8 mil MW de Belo Monte. Se, no futuro, com outro governo, a vontade política mudar, o curso do planejamento inicial poderá ser retomado. Nada há que o impeça.
Continua a predominar entre os técnicos independentes a convicção de que, sozinha, a usina de Belo Monte não tem viabilidade econômica, independentemente da avaliação dos seus impactos socioambientais. O compromisso com uma única barragem seria apenas uma manobra tática para criar o fato consumado do primeiro aproveitamento e assim possibilitar os demais, que acumularão água a montante do rio para usá-la nos períodos de estiagem (quando a vazão pode cair até 30 vezes), incrementando a potência de geração.
Há, contudo, uma saída, há muitos anos defendida por este jornal: modificar a concepção sobre o desenvolvimento na Amazônia. O planejamento seria feito a partir das bacias hidrográficas, que são a mais sólida referência física na região. Antes de definir qualquer uso para o Xingu, por exemplo, o governo federal teria que remeter ao congresso um projeto de lei sobre o plano de desenvolvimento para o vale por longo período (15 ou 20 anos), no qual um dos itens seria o uso energético.
Se for sincera e convicta a decisão de só erguer uma única barragem no Xingu, a lei sobre o desenvolvimento do vale estabelecerá esse compromisso, conferindo-lhe valor legal. O descumprimento caracterizaria a prática de um delito, punível na forma da legislação penal e cível. A palavra do agente do governo deixaria de ser apenas palavra, que o vento das conveniências leva.
Talvez a partir daí seja possível um debate sério e maduro sobre a possibilidade e a conveniência de o país prosseguir no uso dos rios para fins energéticos. É claro que há certa pressa na tomada de decisões, em função das grandes transformações que ocorrem neste momento em todo mundo. Essas mudanças atingem a Amazônia, mas não podem se refletir na região apenas como eco. A Amazônia precisa ter voz própria, algum poder de iniciativa, de criação. O efeito reverso dos tremores, que têm seu epicentro fora da região, não pode ser sempre de acordo com os interesses dos que criam esses efeitos e estão armados das melhores informações.
O esgotamento das fontes de energia na Amazônia para incrementos significativos da produção é um fato, em boa parte resultante da imprevidência dos que monopolizam o poder decisório. Esse fato pode ser atenuado e, em alguns casos, resolvido por outras fontes de energia, inclusive as não propriamente alternativas, como o gás, cujas pesquisas no litoral amazônico são mantidas num banho-maria inexplicado (e inaceitável). Quando a demanda é urgente, essas respostas deixam de ser satisfatórias porque as pesquisas, mesmo que venham a ter o apoio merecido, que hoje não têm, não darão resultados imediatos. Mas a equação da solução não pode ser montada apenas pelos agentes produtivos.
É realmente do interesse do Pará que a Albrás produza mais lingote de alumínio, produto de baixo valor agregado, à custa de muita energia, com tarifa favorecida, e sem gerar o principal imposto, o ICMS, porque a exportação de semi-elaborados não é taxada? Na ponta do lápis, não. Pode o governo fornecer a energia no volume requerido e por preço atrativo se a Vale do Rio Doce instalar unidades de transformação do metal básico, que criarão melhores empregos, irão gerar mais renda e pagarão imposto? Por que não colocar essa exigência na mesa de negociação?
A Vale não está sozinha nem é a dona do mercado (veja adiante matéria sobre a Alcoa). Apesar de toda a sua propaganda e relações públicas, a Vale ainda não conseguiu criar uma imagem de companhia sustentável porque seu discurso está sempre colidindo com os fatos. Apesar do enorme dinheiro que gastou para lançar a sua nova marca, a novidade não se estendeu ao conceito de responsabilidade social de tal maneira a convencer os auditórios mais exigentes no mercado mundial, justamente o seu alvo. Esse desempenho resulta da dificuldade que a empresa tem para praticar jogos que não sejam aqueles nos quais põe sua marca, os quais quer sempre ganhar.
Diga-se também que esse jogo é viciado porque do outro lado não há contendores sérios e conseqüentes. No momento em que essa onda de novos "grandes projetos" vem bater no território paraense, empurrada pelo mercado mundial, constatar que a interlocução não é séria dá uma sensação de desalento que nenhum marketing é capaz de retocar. Mesmo porque a maquilagem dura pouco, como estamos vendo. Se outros grandes projetos do passado mão desenvolveram de fato o Pará, estes novos projetos mudarão essa história?
* Jornalista
(Site Adital - 28/07/08)
terça-feira, 29 de julho de 2008
Governo do Estado cria grupo de trabalho para Belo Monte
Agência Pará
O governo do Estado criará um Grupo de Trabalho (GT) para discutir ações do plano de desenvolvimento regional sustentável que serão garantidas no Projeto de Aproveitamento da Hidrelétrica de Belo Monte, como instrumentos de mitigação dos impactos sociais e ambientais da usina. O decreto lei constituindo o GT será assinado pela governadora Ana Júlia Carepa. A informação foi dada nesta segunda-feira (28), no auditório do Centro Integrado de Governo (CIG), em reunião com a diretoria da Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte), quando foram apresentados o Sistema Elétrico Brasileiro, o Projeto de Belo Monte, os benefícios esperados e a questão sociambiental envolvida no empreendimento.
“Esperamos que juntos possamos identificar o que ainda existe de entraves para juntos superá-los, pois juntos temos muito mais condições de fazê-lo. Defendemos este projeto, não vejo problemas em fornecermos energia a todo o país, mas o que não vamos aceitar é que a energia passe por cima de nossas cabeças sem que sejam atendidas, primeiro, as nossas necessidades”, afirmou a governadora. O secretário de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Maurílio Monteiro, disse que a reunião marca um momento importante de uma nova relação institucional com a diretoria da Eletronorte.
O secretário de Estado de Integração Regional, André Farias, apresentou o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) da região de integração Xingu, a ser concluído até dezembro deste ano. A Eletronorte já assinou convênio com o governo do Estado visando a elaboração desse PDRS e dos planos das regiões de integração Lago Tucuruí e Baixo Tocantins. “Os planos prevêem participação social, integração das ações públicas e promoção de atividades sustentáveis, trazendo a participação da sociedade civil. Assim, consideramos as especificidades das regiões. O PDRS não se resume à obra da usina, mas deverá observá-la”, afirmou.
O diretor-presidente da Eletronorte, Jorge Palmeira, destacou que a avaliação do governo do Estado sobre Belo Monte e outros projetos energéticos estão de acordo com o projeto da empresa. Ele entregou à governadora a minuta do decreto lei que será sugerido ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que prevê investimentos da empresa vencedora do edital de licitação em ações sociais, antes que a usina entre em operação. A medida visa fazer frente às demandas do processo migratório esperado para região.
Ele comentou que o potencial hidráulico brasileiro é de 260 GW, sendo que estão em operação somente 76 GW. Do total do potencial, 113 GW estão na região amazônica (ou 43%) e apenas 7 GW desses (ou 7%) estão em operação. “Das fontes principais de energia elétrica, no Brasil, quase 80% é hídrica. E da capacidade hidrelétrica inexplorada a maior parte encontra-se na bacia amazônica”, exemplificou. Este cenário difere de países como Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, em que a fonte principal é a fóssil.
Segundo Palmeira, os objetivos do novo modelo do Sistema Elétrico Brasileiro, em curso, é a segurança no suprimento, modicidade tarifária (compra de energia por leilões visando menor tarifa) e inserção social. No caso de Belo Monte, os estudos da bacia do rio Xingu iniciaram em 1975; o relatório final de viabilidade teve como alternativa uma área inundada de 1.225 Km2, reduzido em 1994 para 440 Km2. “Das cinco quedas de curso principal do rio, previstas anteriormente, faremos apenas a de Belo Monte, justamente para não afetar comunidades indígenas. A capacidade instalada será de 11.181 MW e serão agregados ao sistema interligado brasileiro 4.796 MW médios (energia firme)”, adiantou.
Palmeira informou ainda que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou resolução na semana passada que garante o não aproveitamento da cadeia do rio Xingu, mantendo apenas o aproveitamento de Belo Monte.
Texto: Fabíola Batista - Secom
(Agência Pará - 28/07/08)
segunda-feira, 28 de julho de 2008
“A Eletrobras favoreceu empreiteiras”
O senhor está convicto de que empreiteiras como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht deveriam participar de licitação para fazer o EIA-Rima da usina de Belo Monte?
Qualquer empresa que queira participar de Estudos de Impacto Ambiental precisa participar de licitação. O Estado não pode escolher aleatoriamente quem vai contratar para os serviços. Isso é ilegal, atenta contra os princípios democráticos e contra a os princípios constitucionais que norteiam a administração pública.
O senhor acredita que por elaborarem o EIA-Rima as empreiteiras passam a ser favoritas para ganhar a licitação para a construção da barragem?
Isso é evidente. As empreiteiras terão acesso privilegiado a informações bem antes de seus possíveis concorrentes em um eventual leilão. Em nosso entendimento, a própria Eletrobras admitiu o favorecimento a essas empresas quando incluiu no convênio com elas uma absurda cláusula de sigilo. O EIA-Rima é um processo necessariamente público, só é legítimo se for público, mas, mesmo assim, havia uma cláusula que dava às empresas o direito de não divulgar as informações que fossem colhidas no decorrer dos Estudos. Agora, essa cláusula, supostamen te, foi revogada. Mas, para nós, ela é uma prova a mais - assim como a ausência de licitação - de que o governo federal está acintosamente favorecendo o interesse de algumas empreiteiras e tentando fazer um licenciamento meramente burocrático. As sucessivas e recentes declarações do Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, de que Belo Monte será construída a partir de 2009, demonstram o descaso do governo com a legislação ambiental, são um desrespeito ao que deveria ser o processo de licenciamento e ao próprio judiciário brasileiro. É impossível prever o início de uma obra desse porte quando os estudos ainda não foram feitos.
O caso da usina de Santo Antonio, no Rio Madeira, onde a Mendes Junior fez o EIA-Rima e ganhou a licitação não abre um precedente perigoso?
Perigosíssimo. Não podemos deixar de apontar a flagrante falta de lógica que existe em se colocar empreiteiras para fazer Estudos de Impacto Ambiental. Estamos falando de obras de bilhões de reais. Estamos falando de possibilidade concreta de grande enriquecimento para empreiteiras. Como podemos considerar que essas empresas têm isenção suficiente para conduzir os Estudos de Impacto Ambiental? O EIA-Rima serve para orientar uma decisão técnica: se o empreendimento tem ou não viabilidade. Como alguém que está interessado em construir a obra - afinal é disso que empreiteiras entendem - pode atestar sua viabilidade? É como colocar o galinheiro sob responsabilidade da raposa.
Existe um jogo de cartas marcadas nessas licitações?
Não podemos afirmar isso sem provas. Mas todos os caminhos tomados pelo governo federal no projeto de Belo Monte demonstram a existência de relações promíscuas, contaminadas, entre a Eletrobras e as empreiteiras.
Não há justificativas para se construir Belo Monte?
Apesar de ainda não terem sido concluídos os Estudos de Impacto Ambiental oficiais, podemos dizer que, nesses 20 anos, Belo Monte talvez seja o projeto hidrelétrico mais estudado da história do Brasil. Existem inúmeras teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos, estudos científicos sobre a hidrelétrica. E todos apontam para sua total inviabilidade. Inviabilidade econômica, sobretudo. A própria Eletrobras admite que a usina só vai funcionar de 3 a 5 meses por ano, por causa do regime de vazão do rio Xingu. Não há justificativa para gastar mais de R$ 7 bilhões em uma obra, expulsar 16 mil ribeirinhos, alagar parte de Altamira, fazer secar o rio em alguns trechos, e ao final termos uma hidrelétrica que não vai passar nem seis meses fornecendo energia.
Caiapós estão no meio do caminho da usina, mesmo sem ser atingidos
Apontados como um dos povos mais belicosos da Amazônia, os índios caiapós são a pedra no caminho da barragem de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará. Desde fevereiro de 1989, quando foram as grandes estrelas do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu – a índia Tuíra ganhou destaque internacional ao esfregar um facão na cara do engenheiro José Antônio Muniz Lopes, então diretor de Operações da Eletronorte – os caiapós têm exibido suas bordunas e terçados contra os planos da Eletrobras de construir a maior usina hidrelétrica da Amazônia no rio Xingu.
Foi graças à ação dos caiapós que o Banco Mundial (BIRD) retirou qualquer apoio financeiro a novas usinas na Amazônia. O projeto da Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil), denominado inicialmente de Cararaô, mudou de nome, para Belo Monte. Detalhe: o reservatório da usina hidrelétrica de Belo Monte não inundará um hectare sequer da gigantesca reserva indígena caiapó, demarcada e homologada com 3,2 milhões de hectares, ocupando basicamente parte do território dos municípios de São Félix do Xingu, Tucumã e Redenção, a léguas de distância de Vitória do Xingu, município para onde está projetada a construção da barragem.
Os índios caiapós que agrediram e cortaram no braço, com golpe de terçado, o engenheiro Paulo Fernando Rezende, da Eletrobras, no encontro Xingu Vivo para Sempre, em Altamira, sudoeste do Pará, foram na verdade 'importados' do município de Redenção para o evento. Como desculpa para a agressão ao engenheiro da Eletrobras, os caiapós se disseram revoltados com o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte, empreendimento que ficará a mais de 600 quilômetros de Redenção.
O rio Xingu, para onde está prevista a barragem de Belo Monte, sequer banha a reserva indígena de onde saíram a índia Tuíra e os outros agressores. Os índios caiapós, que eram os mais revoltados com a possibilidade de se construir a usina de Belo Monte, terão apenas uma parte de sua reserva cortada pelo rio Bacajá, um afluente do Xingu que, segundo os estudos apresentados pela Eletronorte, não será afetada pelo projeto.
O engenheiro Paulo Fernando Rezende tentou explicar esse ponto durante o encontro de Altamira, garantindo que as terras indígenas não sofrerão os impactos do projeto hidrelétrico, mas os índios não aceitaram as explicações. A única aldeia afetada pelo projeto será a Paquiçamba, cujos índios não estão entre os agressores do engenheiro e que não demonstram a mesma violência dos caiapós.
A fama de violência dos caiapós vem de longe. Na década de 70, o massacre da Fazenda Espadilha, no Pará, onde 20 colonos que haviam invadido a área dos índios foram mortos, ganhou destaque na mídia. Os caiapós também mantêm uma rígida vigilância em sua reserva, embora alguns caciques permitam a exploração garimpeira e outros vendam mogno para madeireiras ilegais.
(O Liberal – 28/08/08)
Belo Monte sob suspeita
Há fortes evidências de que está em curso um jogo de cartas marcadas para que a licitação para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará, seja ganha pelas construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht, todas incluídas entre as maiores do Brasil.
Estas empreiteiras ganharam da Eletrobras (Centrais Elétricas do Brasil), em convênio denunciado pelo Ministério Público Federal, a missão de elaborar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto de Meio Ambiente (Rima) da usina de Belo Monte, a maior da Amazônia, num investimento que pode chegar a US$ 10 bilhões, incluindo as linhas de transmissão de energia.
O preço pago pela Eletrobras para que Camargo Correa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez façam o EIA-Rima é simplesmente risível: R$ 35 mil. Especialistas do setor elétrico calculam que um EIA-Rima como o de Belo Monte consuma no mínimo R$ 100 milhões.
Essa conta é que não bate para o procurador regional da República Felício Pontes Júnior, do Pará, que ingressou com Ação Civil Pública na Justiça Federal questionando, por ilegal, a contratação das empreiteiras, sem licitação, para executar o EIA-Rima da usina de Belo Monte, que quando estiver concluída vai gerar, a plena carga, 11 mil megawatts, tornando-se a maior do país, genuinamente brasileira (Itaipu, no sul do País, é binacional).
Pontes Júnior desconfia que possa haver um jogo de cartas marcadas para que Camargo, Gutierrez e Odebrecht concluam o EIA-Rima e ganhem a licitação para a construção da hidrelétrica, um dos maiores investimentos do governo federal na Amazônia em todos os tempos.
Já existe um precedente: a construtora Mendes Júnior e Furnas foram responsáveis pela elaboração do EIA-Rima da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, e posteriormente venceram a licitação para a construção da obra.
Belo Monte é obra prioritária do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e é, também, a menina dos olhos da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do presidente da Eletrobras, o engenheiro José Antônio Muniz Lopes, apadrinhado do senador José Sarney (PMDB-AP).
O juiz federal Antônio Carlos Almeida Campelo, da Vara Única de Altamira, no Pará, deu sentença concordando em parte com os questionamentos do procurador Pontes Júnior.
O Ministério Público Federal moveu Ação Civil Pública em desfavor de Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras), Construções e Comércio Camargo Corrêa, Construtora Andrade Gutierrez e Construtora Norberto Odebrecht mediante petição protocolada na Seção Judiciária do Pará em 24 de maio de 2007.
O motivo da postulação seria suposta prática de atos tendentes a reduzir a concorrência quanto ao empreendimento denominado Usina Hidrelétrica de Belo Monte, pretendendo-se, ao final, que as empresas particulares arroladas no pólo passivo abstenham-se de interferir diretamente na produção de estudos relacionados à hidrelétrica.
EIA/RIMA exige licitação, sustenta MPF - O procurador da República Felício Pontes Júnior, na ação, denuncia suposta associação irregular de servidores públicos com empresas privadas, visando à realização de estudos para a eventual construção da usina de Belo Monte. O argumento é simples: as empresas associadas seriam potenciais interessadas na futura licitação do complexo hidrelétrico.
O objetivo específico da presente ação não seria o de 'prejudicar, em absoluto, o empreendimento AHE de Belo Monte', mas tão somente o de garantir a regular execução dos correspondentes estudos. 'Seria injustificável a preferência dada às empresas beneficiadas', diz o procurador. A causa não guardaria conexão com outra Ação Civil Pública, que trataria do termo de referência elaborado pelo Ibama.
Em resposta, a Eletrobras teria noticiado a celebração de um acordo de cooperação técnica (ECE-120/2005) juntamente com as empresas referidas na inicial. Segundo o MPF, o acordo pactuado teria fundamentação na Lei n.º 3.890-A e suporte em uma alegada exigüidade 'do prazo para ultimação do EIA e do RIMA' e em uma hipotética competência reconhecida das empresas requeridas, o que não seria suficiente para a dispensa de licitação quanto aos estudos de viabilidade. Os requeridos não estariam levando em consideração a possibilidade de o empreendimento vir a ser reputado tecnicamente inviável e o acordo conteria cláusulas de confidencialidade, o que seria incompatível com a publicidade exigida em empreendimentos hidrelétricos.
Em que pese, segundo o MPF, ter sido alegado pela Eletrobras que as empresas possuem notoriedade em seu ramo de atuação, algumas atividades teriam sido terceirizadas. A Eletrobras teria fundamentada a 'contratação' no art. 116, da Lei n.º 8.666/93, sem, contudo, realizar procedimento licitatório. A estatal teria afirmado que despendera apenas cerca de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) com gastos relacionados ao acordo celebrado.
A situação concreta representaria uma dispensa de licitação irregular.
Empresas poderiam afugentar competidores com riscos inexistentes - O acordo de cooperação técnica permitiria às empresas arroladas no pólo passivo apropriarem-se dos documentos gerados durante os estudos. O direito concedido à Eletrobras para que pudesse se associar a empresas privadas não representaria a desnecessidade de licitação. A situação emergencial teria sido produzida pelos próprios gestores da Eletrobras, não justificando a dispensa de licitação.
Os procedimentos administrativos estariam sendo conduzidos de forma açodada e teriam sido violados os Princípios da Impessoalidade e da Publicidade, em prol dos interesses privados das empresas envolvidas.
As assertivas de natureza técnica não poderiam justificar, segundo denuncia o procurador Pontes Júnior na Ação Civil, o tratamento sigiloso das informações, situação que somente poderia ser admitida em 'casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração a ser preservado', o que não corresponderia ao caso concreto. A negativa de publicidade implicaria em redução dos controles sociais.
Por receberem informações privilegiadas, as empresas estariam sendo tratadas de forma contrária à devida impessoalidade. A confecção dos EIA/Rima pelos próprios interessados poderia implicar na divulgação de dificuldades de execução inexistentes, objetivando-se afugentar outros competidores.
Não existiria fundamento legítimo para a intervenção das empresas, que poderiam fazer suas análises de viabilidade econômica e de interesse após a divulgação dos estudos (caso realizados pelo governo).
O acordo, que favoreceria as três empresas mencionadas, seria também ofensivo à ordem econômica. E as justificativas como 'razões de Estado' ou 'a relevância nacional' não seriam suficientes para 'permitir que três empresas sejam contratadas às escondidas, com cláusula de confidencialidade, colocando-se em posição informacional muito mais favorável que qualquer outro agente econômico', conforme denúncia do Ministério Público.
A doutrina estaria a corroborar o raciocínio esboçado na peça de ingresso e a previsão pactuada no sentido de não existir, no momento da licitação da obra, necessidade de atuação consorciada por parte das empresas requeridas. Caso as empresas não venham a participar da futura licitação, tal fato decorrerá, segundo o MPF, do conhecimento de informações não disponíveis às demais empresas do ramo.
Não seria necessária a consumação de um dano para que se concluir pela existência de infração à ordem econômica, devendo, no sentir do Parquet, ser aplicadas às empresas as sanções previstas na Lei n.º 8.884/94, restringindo-se aplicação da pena à obra objeto dos autos.(R. B.)
Eletrobras acusa Ministério Público Federal de querer 'sepultar' usina - Em resposta, a Eletrobras sintetiza: 'A pretensão do MPF seria a de 'uma vez mais, obstar, liminar e, se possível, definitivamente, a continuação dos estudos de impacto ambiental do empreendimento AHE Belo Monte', situação que já teria sido verificada em 2001, 2006 e 2007. O Ministério Público estaria determinado a 'ver definitivamente sepultado' um empreendimento que a Eletrobras entende ser relevante, em suposto detrimento do desenvolvimento social e econômico sustentável do país. A finalidade do MPF seria impedir o licenciamento ambiental da obra e que 'não deveriam prevalecer, quanto à espécie, posições ideológicas radicais e isoladas, contrárias aos estudos de impacto ambiental e ao empreendimento ...em detrimento da população, e do desenvolvimento sustentável do nosso país'.
DECISÃO - 'A Administração Pública deve pautar sua conduta como a de 'mulher de César': além de ser honesta, deve parecer honesta. A Administração Pública, ao contrário do administrador privado, não pode eleger contratantes ou parceiros comerciais ao seu alvedrio, por sua livre escolha. Deve dar ampla publicidade de seus atos e permitir que, dentre critérios estabelecidos em edital, qualquer empresa interessada participe do procedimento. São princípios comezinhos do Direito Administrativo', diz o juiz Almeida Campelo em sua sentença.
E acrescenta: 'É mais que patente que há um gigantesco benefício patrimonial concedido em favor das construtoras, o que, de per si, já se demonstra suficiente para que a Administração Pública tome as necessárias medidas tendentes a garantir a isonomia no acesso às vantagens auferidas pelos interessados em se associar à Eletrobras. Neste momento, não se nega que, caso seja, ao fim, decidido, após amplo debate, que o empreendimento hidrelétrico seja eventualmente viável, haverá necessidade da exigência de critérios técnicos para os empreendedores da obra. Porém, em se tratando de mero complemento de estudos anteriores, conforme menciona a própria Eletrobras, a quantidade de empresas interessadas e capacitadas pode ser muito superior às então conveniadas', afirma Almeida Campelo.
O juiz diz ainda que 'impende destacar que muitas das atividades que compõem o teor dos estudos em andamento não são a especialidade das empreiteiras, que apenas detêm conhecimento específico na área de engenharia - conhecimento este que nem é de exclusividade das mesmas - não possuindo maiores qualificações, por exemplo, no estudo das populações indígenas, conforme mencionado pelo MPF na exordial e confirmado pela leitura de Ações Civis Públicas conexas, nas quais se constata que houve inclusive terceirização de atividades de pesquisa.'
O juiz Almeida Campelo deferiu os pedidos liminares requeridos pelo Ministério Público suspendendo os efeitos do 'Acordo de Cooperação Técnica' ECE- 120/2005, firmado entre a Eletrobrás e as demais empresas demandadas, bem como todo e qualquer ato produzido por força do aludido instrumento até o julgamento final da presente demanda. Mas a briga judicial por Belo Monte, maior hidrelétrica da Amazônia, 'menina dos olhos' das grandes empreiteiras nacionais, está apenas começando. (R.B.)
Eletrobras defende lisura de Belo Monte - O presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, e o responsável pelo projeto de Belo Monte, Paulo Fernando Rezende, defendem a lisura no convênio firmado com as empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht para a confecção do Estudo de Impacto Ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará.
Segundo Rezende, o Decreto Legislativo 788/2005 delegou à Eletrobrás a responsabilidade por desenvolver o estudo de viabilidade técnica, econômica e socioambiental do usina de Belo Monte e o Acordo de Cooperação Técnica para desenvolvimento do referido estudo entre Eletrobrás, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht não garante nenhuma participação das empreiteiras no futuro leilão da licitação entre as partes.
A resolução 395/98, da Aneel, em seu artigo 14, determina que, ocorrendo o envio de outros estudos de viabilidade ou projetos básicos para o mesmo aproveitamento hidrelétrico, em condições de ser aprovados, todos serão colocados à disposição dos interessados para o processo de licitação. Somente o estudo de viabilidade ou projeto básico escolhido pelo vencedor da licitação fará jus ao ressarcimento, de acordo com o respectivo edital. Ou seja, qualquer agente poderá executar o estudo de viabilidade.
'O vencedor do leilão de licitação é que escolherá o estudo que lhe convier e este - e apenas este - será ressarcido na forma da lei. É interessante observar que os estudos para o AHE Jirau, cuja licitação ocorreu recentemente, os executantes do estudo de viabilidade foram as empresas Furnas e Odebrecht. Elas, porém, não venceram o leilão', lembra Paulo Fernando Rezende. Outro ponto importante, segundo Rezende: a Eletrobrás, a fim de dar a necessária publicidade e transparência ao processo, disponibiliza e atualiza em seu site todas as informações relativas a Belo Monte tais como inventário, resultados dos estudos de viabilidade anteriores, além de informações diversas (vide www.eletrobras.com.br).
Para o presidente Muniz Lopes, o Sistema Interligado Brasileiro tem uma grande vantagem que é a possibilidade de transferências de energia através das linhas de transmissão entre as diversas regiões do País. Este sistema interligado abrange 98% do consumo nacional de energia elétrica.
A usina de Belo Monte será integrada ao Sistema Interligado Brasileiro o que permitirá que na época de cheia do rio Xingu, onde a vazão máxima pode chegar a 30.000 m3/s, a produção de energia de Belo Monte seja total da sua capacidade instalada (11.181,3 MW), permitindo que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste economizem água. Assim, no período de seca do rio Xingu, quando Belo Monte estiver produzindo menor quantidade de energia, as usinas dessas regiões enviarão energia elétrica para a região do Xingu.
ÍNDIOS - Segundo Paulo Rezende, em dezembro de 2007 foram realizadas as primeiras visitas às terras indígenas Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Juruna do km 17. Essas visitas foram planejadas em conjunto com a Funai e por ela supervisionadas. Na verdade, todo o estudo socioambiental referente aos índios é desenvolvido sobre a orientação e participação da Funai. A programação para as visitas iniciais das demais terras indígenas da região - Kararaô, Arawaté do Igarapé Ipixuna, Koatinemo, Cachoeira Seca, Arara, Apiterewa e Trincheira Bacajá – já está sendo elaborada pela Funai. É importante destacar que o projeto do AHE Belo Monte não inundará nenhuma terra indígena.
O consumo total de energia elétrica do país passará de 412,6 TWh, em 2007, para 706,4 TWh, em 2017, conforme estudos da EPE. Assim, considerando que o AHE Belo Monte em 2020, quando em plena operação, responderá pelo atendimento de 6,4% do consumo de energia elétrica previsto para aquele momento, pode-se concluir que o empreendimento é uma obra prioritária para atendimento ao mercado de energia elétrica. Veja, na edição de amanhã, entrevista com o procurador Felício Pontes Júnior. (R. B.)
(O Liberal - 27/08/08)
Usina de Belo Monte pode ter limite para local da construção
Segundo o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a Aneel já estuda impor essa limitação no edital da usina de Belo Monte. Trata-se do maior projeto do país no setor elétrico, com potência de 11.182 MW -mais do que as usinas do rio Madeira, de Santo Antonio (3.150 MW) e Jirau (3.150 MW), juntas. Lobão anunciou também que a licitação para a construção de Belo Monte, no rio Xingu, será realizada no primeiro semestre de 2009.
Vencedor da licitação da usina de Jirau, o consórcio Energia Sustentável, liderado pelo grupo franco-belga Suez, alterou a posição da usina em 9 km alegando redução de custos (de R$ 1 bilhão) e menor impacto ambiental. A mudança gerou protesto da Odebrecht, que perdeu a disputa em consórcio com Furnas.
De acordo com Lobão, a Eletrobrás não participará dos próximos leilões, como já sugeriu o presidente da estatal, José Antonio Muniz. Só entrarão na disputa as subsidiárias Furnas, Chesf e Eletronorte.
O ministro disse ainda que a estratégia de as estatais manterem uma participação limitada a 49% nos consórcios será mantida. ´´Elas até podem ser majoritárias, mas não queremos que sejam. Vão ter 40% como é hoje.´´
Lobão disse ainda que a construção de um depósito definitivo para o rejeito atômico das usinas nucleares ´´não é uma questão fundamental a ponto de paralisar ou de deixar de se construir´´ Angra 3, no Rio de Janeiro. Para o ministro, Ibama e Ministério do Meio Ambiente fizeram ´´exigências brutais´´ -uma delas é o depósito.
Em contrapartida, diz, o Ministério de Minas e Energia empreende um ´´esforço bestial´´ para atendê-las.
Segundo Lobão, ´´algumas exigências são fundamentais; outras, não´´. Dentre elas, está a questão do resíduo, que poderá ´´ser resolvida no curso da obra´´, na visão dele.
Mesmo sem a definição de um projeto para o depósito dos resíduos de alta intensidade atômica (o combustível nuclear), afirma, as obras da usina terão início em 1º de setembro. Hoje, os rejeitos são armazenados dentro das próprias usinas de Angra 1 e 2 em piscinas de esfriamento, com capacidade para acomodar o material atômico utilizado até 2021.
O ministro afirmou ainda que, apesar de não existir um ´´tratamento absolutamente definitivo como preconiza´´ o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), o lixo atômico ´´é bem cuidado e bem tratado´´.
Procurado, Minc disse, por meio da assessoria, apenas que ´´apóia os termos do licenciamento do Ibama´´ -pelo qual a construção do depósito tem de ser iniciada antes da entrada em operação de Angra 3.
(Folha de S. Paulo - 26/07/08)
Saramago e a produção de energia
Tradicionalmente — há mais de um século —, eletricidade é produzida em usinas hidroelétricas em nosso país. Só mais recentemente é que usinas térmicas (a carvão e gás natural) foram instaladas, mas ainda representam parcela pequena da produção de eletricidade.
O governo, na década de 1970, tentou introduzir energia nuclear em grande escala, o que logo se revelou opção equivocada, sobretudo numa época em que Itaipu estava sendo construída e havia ainda muitas usinas hidroelétricas a serem concluídas, sobretudo em São Paulo. Foi na década de 1970 que reatores nucleares atravessaram sua fase de ouro, porque a crise do petróleo levou França, Japão e Estados Unidos a procurarem na energia nuclear a auto-suficiência energética, reduzindo suas importações de combustível. Esse não era o caso do Brasil, onde petróleo não era usado para gerar eletricidade. A introdução de energia nuclear em grande escala, na ocasião, era claramente uma estratégia equivocada.
Argumentos do mesmo tipo são usados agora para justificar a retomada da opção nuclear com a instalação de quatro reatores de porte médio no Nordeste, além da conclusão de Angra III. Afora o óbvio conteúdo político-eleitoral dessas sugestões, elas desafiam o bom senso: reatores de médio e pequeno porte estão em desenvolvimento, mas não são ainda disponíveis comercialmente. A indústria nuclear, que era pujante na década de 1970, está praticamente hibernando desde o acidente de Chernobyl. Nenhum reator nuclear foi iniciado nos Estados Unidos nos últimos 30 anos. Além disso, a rede de transmissão de eletricidade, no Brasil, é toda interligada, e a energia que o Nordeste precisa pode vir da Amazônia ou do Centro–Sul. Regionalismo na geração de eletricidade não faz sentido do ponto de vista técnico, mesmo porque os equipamentos para os reatores nucleares não seriam construídos no Nordeste e gerariam pouca mão-de-obra local.
A situação hoje, na área de produção de eletricidade, evoluiu porque os grandes aproveitamentos hidroelétricos, na região Centro-Sul, foram concluídos, e o que resta é o potencial dos rios da Amazônia, que é considerável, além de inúmeros pequenos aproveitamentos na região Centro-Sul.
Devido às vantagens da energia hidroelétrica — do ponto de vista do custo e do meio ambiente — ela é a primeira opção, mas construí-las na Amazônia exibem vários inconvenientes, como a grande distância aos centros consumidores, inundação de áreas indígenas e problemas ambientais, que são não insuperáveis, mas que o governo tem tido muita dificuldade em equacioná-los. Ainda assim, os empreendimentos do Rio Madeira foram licitados, o mesmo podendo acontecer com usinas no Xingu e Tocantins.
A questão é que o modelo de leilão que escolhe o vencedor que construirá as usinas tem, contudo, sérios problemas, uma vez que usa o preço final da energia como único critério de escolha do vencedor. É essa característica do sistema de leilões que tem gerado distorções na evolução do sistema de eletricidade do país, com a construção de usinas termoelétricas (usando carvão importado), que vão no sentido contrário de um desenvolvimento sustentável. Sob esse ponto de vista, o modelo anterior de licitações de usinas elétricas era superior, porque os próprios projetos incorporavam as exigências ambientais e não se tratava apenas de fazer obras pelo menor preço, o que certamente criará problemas no futuro.
Há, além disso, outras opções: a principal das quais é investir em fontes alternativas de energia. A palavra alternativa é um tanto depreciativa, o que não se justifica. Melhor seria chamar tais fontes de não convencionais, em contraste com as fontes tradicionais, que são bem estabelecidas comercialmente, como a hidroelétrica, a termoelétrica e a nuclear.
Entre as fontes não convencionais está a energia elétrica produzida pelo bagaço de cana-de-açúcar, que está despontando, em São Paulo, como grande atividade industrial. Até 2016, a co-geração de eletricidade nas usinas de álcool da região Centro-Sul estará fornecendo à rede elétrica tanta eletricidade quanto Itaipu. O governo de São Paulo está viabilizando a interligação das usinas de açúcar e álcool, onde a eletricidade é gerada, com as empresas de transmissão de energia. E o BNDES criou uma linha especial de financiamento para equipamentos, que privilegia justamente os mais eficientes.
No Norte, energia eólica é a resposta, e se estima que uma outra Itaipu poderia ser instalada usando energia dos ventos. O governo federal tem um instrumento para tornar isso realidade — o Proinfa —, que está se movendo a ritmo lento porque fontes alternativas exigem, freqüentemente, subsídios governamentais, quando são introduzidas, como aconteceu com o Programa do Álcool. À medida que o tempo passa e o volume de produção aumenta, os subsídios se tornam desnecessários. Por isso, não vemos porque o governo não subsidie fontes alternativas como, aliás, decidiu fazer com a energia nuclear, uma vez que, quando concluída, a usina nuclear de Angra dos Reis III produzirá energia elétrica a um custo muito superior às usinas hidroelétricas.
Energias alternativas ou não convencionais não são mais sonhos de cientistas desligados da realidade, mas uma das áreas que mais crescem no mundo todo. Só não está ocorrendo no Brasil, provavelmente pela cegueira de alguns.
(Correio Braziliense - 28/07/08)
Aneel aprova inventário do rio Xingu
A delimitação do inventário à região do município paraense de Altamira ratifica decisão expressa na Resolução nº 06/2008, do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que definiu o aproveitamento de Belo Monte como único potencial a ser explorado no Xingu. O estudo identificou potencial de geração nesse trecho do rio de 11.187 megawatts (MW), com área de reservatório equivalente a 440 quilômetros quadrados (km²).
A aprovação do estudo realizado pela Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobrás), em parceria com as empresas Construções e Comércio Camargo Corrêa S/A, Construtora Andrade Gutierrez S/A e Construtora Norberto Odebrecht, é o primeiro passo para a inclusão, pelo governo, do aproveitamento de Belo Monte em futura licitação.
Os interessados em obter cópia do documento em CD poderão solicitá-la nos próximos dias ao Centro de Documentação da Aneel (Cedoc) pelo telefone (61) 2192-8668. Para isso, é necessário o envio de CDs virgens em substituição à mídia gravada com o estudo solicitado.
(JB Online - 25/07/08)
Lobão: usina no Xingu será leiloada no 1º semestre de 2009
- Não temos ainda a data, mas queremos fazer o leilão no primeiro semestre do ano - disse o ministro, ao participar de evento no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Para evitar mudanças no projeto de construção da hidrelétrica, como aconteceu com a usina de Jirau, no rio Madeira, Lobão antecipou que o edital de Belo Monte deve limitar o terreno para a instalação da usina.
O consórcio vencedor de Jirau propôs que a hidrelétrica fosse construída a 9 km do definido no edital. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estudam a alteração.
O ministro também informou que as empresas subsidiárias da Eletrobrás poderão participar da concorrência para construção da hidrelétrica do Xingu. Mas, devem ser "minoritárias" nos consórcios responsáveis pelas obras.
- Elas podem participar do mesmo modo que o atual, concorrendo entre si. Podem até ser majoritárias, mas preferimos que sejam minoritárias, com 40% (do capital), conforme têm hoje. Acho que pode ser até um pouco mais ou um pouco menos – explicou.
(JB Online - 25/07/08)
sexta-feira, 25 de julho de 2008
Usina de Belo Monte terá limite para local da construção
da Folha Online, no Rio
O ministro Edison Lobão (Minas e Energia) disse nesta sexta-feira que o governo estuda limitar possíveis mudanças na posição de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu.
Ele explicou que deverá haver um limite que permitiria evitar mudanças bruscas, à exemplo do que aconteceu com o projeto da usina de Jirau, no rio Madeira. A localização dessa usina mudou em nove quilômetros entre o projeto original e o que foi apresentado pelo consórcio vencedor da concessão, liderado pela francesa Suez, e a mudança fez com que o consórcio perdedor, liderado pela Odebrecht, ameaçasse entrar na Justiça contra o resultado.
"A Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] imagina rearrumar seus editais. Não se quer limitar o eixo a um local rigorosamente exato, mas deve haver um limite. A Aneel está estudando o assunto", disse Lobão após cerimônia de assinatura de contratos de patrocínio para a reforma do Theatro Municipal, no Rio.
A previsão do Ministério de Minas e Energia é que o leilão para a construção de Belo Monte seja feito ainda no primeiro semestre de 2009.
Lobão confirmou que a idéia do governo é que as subsidiárias da Eletrobrás concorram entre si no leilão de Belo Monte, ao contrário do que disse o presidente da estatal, José Muniz Lopes. Ao tomar posse na Eletrobrás, no final do ano passado, ele havia manifestado o desejo de as empresas do grupo concorrerem em um único consórcio.
"Foi uma declaração naquele momento, depois ele próprio deve ter chegado à conclusão de que isso não é conveniente", disse o ministro.
Sobre a polêmica em torno da possível disputa judicial envolvendo as usinas do rio Madeira, o ministro explicou que, caso um dos consórcios desista do projeto, terá que arcar com "pesadas multas". O passo seguinte, segundo ele, seria transferir a outorga de construção para o consórcio perdedor ou então anular o leilão. Ele estimou que a assinatura do contrato de Jirau deverá ser feita no próximo mês.
(Folha Online - 25/07/08)
quarta-feira, 23 de julho de 2008
Para Aneel, Rio Xingu poderia ter três usinas
Para Kelman, do ponto de vista técnico, todas os projetos poderiam sair do papel. "Tecnicamente, não há razão para não fazer as outras usinas", disse, em evento sobre transmissão de energia na Coppe/UFRJ.
O último inventário do Xingu, de 2007, indica a possibilidade de construção das usinas São Félix, de até 906 megawatts (MW), Pombal (600 MW), Altamira (1.848 MW) e Belo Monte (11.181 MW). Autora do estudo, a Eletrobrás, já recomendava a construção só de Belo Monte.
Na última semana, o CNPE proibiu a construção das três primeiras usinas. Com isso, a energia firme fornecida pelo Xingu cairá 28%, de 6.711 MW para 4.796 MW. A decisão do CNPE tem como objetivo reduzir os entraves ambientais à construção de Belo Monte, que deve ser licitada em 2009.
Kelman evitou criticar a decisão do CNPE, anunciada como um grande acordo entre as áreas energética e ambiental do governo, ponderando que "faz parte do jogo democrático" tentar agradar a todos os interessados. "É o típico caso de dar os anéis para ficar com os dedos", comparou.
O aproveitamento energético do Xingu enfrenta grande resistência de organismos ambientais e indigenistas, uma vez que há áreas indígenas em quase toda a extensão do rio. Nenhum dos três projetos suspensos, porém, provoca impacto sobre áreas demarcadas, disse o diretor-geral da Aneel, que proferiu palestra sobre o potencial energético da Amazônia.
(IG – Último Segundo - 22/07/08)
Suez pretende investir em Belo Monte, mas briga com Odebrecht pode inviabilizar
Se a briga entre a Odebrecht e a Energia Sustentável do Brasil for parar na Justiça e atrasar a construção da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, poderá inviabilizar investimentos previstos da Suez de cerca de US$ 9 bilhões no Brasil para os próximos cinco anos. O alerta foi feito pelo presidente da Energia Sustentável do Brasil, Victor Paranhos, durante entrevista nesta terça-feira. Segundo ele, "o maior temor é único, a judicialização".
- Não tem sombra de dúvida que a Suez resolvendo Jirau vai entrar em Belo Monte. Desde que esteja com este problema de Jirau resolvido não vai estar no meio de um imbróglio jurídico olhando o próximo. Não dá para estar com uma briga jurídica de 3 mil megawatts. Não tem condições de ter uma obra não começada - disse Victor Paranhos.
Ao ser perguntado se já havia tentado falar com a Odebrecht para tentar resolver os problemas com a líder do consórcio, ele respondeu:
- Mandei beijo, flores, já dei entrevista, mais do que isto só se eu fizer declaração de amor.
Paranhos lembrou ainda que a Odebrecht foi construtora das usinas hidrelétricas de San Salvador, de Canabrava, de Itá e que também estão contratando a empresa no Panamá para a construção de três pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Ele contou ainda que estão conversando com a Odebrecht sobre os aproveitamento no rio Teles Pires, que deve entrar em 2010.
- Espero que hoje depois da adjudicação os dois consórcios possam sentar juntos - afirmou ele.
(O Globo Online - 22/07/08)
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Licenciamento na berlinda
Nove em cada dez estudos de impacto ambiental recebidos pelo Ibama precisam ser complementados ou refeitos. O principal motivo é a sua má qualidade, dizem fontes ligadas ao licenciamento federal. Resolver falhas nos documentos que devem reduzir os danos à natureza exige mais tempo e dinheiro, atrasa empreendimentos e eleva pressões governistas e privadas sobre o setor ambiental. Em um país que planeja pouco, o licenciamento se tornou a Geni do desenvolvimento econômico.
Para o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP e membro da Associação Internacional para Avaliação de Impacto – Iaia (sigla em inglês), Luis Enrique Sanchéz, a qualidade dos estudos sobre danos ambientais (EIA/Rimas) provocados por empreendimentos e outras atividades influi diretamente na velocidade de sua avaliação. “O licenciamento ainda é visto como mera formalidade a ser cumprida no menor prazo e com menor custo possível, e que de preferência não interfira em nada nos projetos. Mas EIA/Rimas mal feitos exigem complementos e levam a atrasos, enquanto estudos qualificados economizam tempo, evitam ações judiciais e podem até reduzir taxas para compensação ambiental”, avalia.
Cada retrabalho retarda a liberação de licenças federais entre três e seis meses. Casos mais complexos exigem novas viagens a campo e prazos mais longos. “Quando o órgão ambiental pede complementações para estudos, é visto como chato, um entrave ao desenvolvimento”, comenta um servidor do Ibama, que não quis se identificar.
O leque de problemas nos estudos feitos por consultorias ou empreendedores é vasto. Inclui cópia de textos, inclusive da Internet, troca de nomes de animais e plantas, estudos sem autorização, dados desatualizados ou mal colhidos, “camuflagem” de espécies raras ou ameaçadas, falta de mapas e gráficos, araucárias avistadas na Caatinga e até turbinas para geração de energia projetadas sobre rodovias. Nos estudos sobre a Usina de Barra Grande (SC/RS) foram “esquecidos” mais de dois mil hectares de matas com ameaçadas araucárias. A obra foi consumada.
“O problema é converter diagnósticos mal feitos em análises de impacto ambiental, onde quase todos os efeitos são negativos e irreversíveis. Muitos (estudos) são feitos em gabinetes e não fornecem elementos adequados para decisões técnicas”, conta Glenn Switkes, diretor para América Latina da ONG International Rivers.
Entrave freqüente é o desrespeito aos termos de referência (TRs), uma espécie de guia para os EIA/Rimas. O Ibama já tem termos para os setores de petróleo e gás, geração de energia e outros. Cada obra tem seu próprio TR, montado a partir dos procedimentos básicos e debatido entre Ibama e empreendedores. Mesmo assim, diz uma fonte do Ibama, estudos são feitos sem esses documentos ou desrespeitando suas diretrizes. “Depois, alguns empreendedores tentam ajustar os termos aos EIA/Rimas, fazendo o caminho inverso”, revela.
Contratações tortas - Com mais de 50 pareceres técnicos elaborados para o Ibama sobre obras de infra-estrutura no currículo, o biólogo e consultor Marcelo Gonçalves de Lima afirma que o desrespeito aos termos de referência é comum e ligado ao modo como os estudos são elaborados. Também há equipes inexperientes, pequenas e com prazo reduzido para atuar. “Há influências pessoais, políticas e econômicas (nos estudos). Existem casos onde doutores e PhDs contratados por consultorias apenas assinam o trabalho feito por estudantes e estagiários”, diz.
De início o drible pode ser mais barato, mas análises grosseiras sempre cobram um preço. Lima também informa que estudos feitos a toque de caixa podem não colocar na balança dados sobre floração, frutificação e migrações de fauna, que variam ao longo do ano. “Se o estudo não é feito corretamente e, por exemplo, surge uma espécie rara, a obra pode ser paralisada. O melhor é sempre elaborar os EIA/Rimas da melhor maneira possível”, ressalta.
No caso da Usina de Ipueiras, no Tocantins, o estudo de impacto foi bem feito e o empreendimento mostrou-se inviável do ponto de vista ambiental e energético. Maior lago de barragem projetado, alagaria quase mil quilômetros quadrados de Cerrado para gerar apenas 480 Megawatts. A obra não saiu, mas evitaram-se mais investimentos e perdas ambientais. “Com termos de referência de qualidade, boa fé dos empreendedores e das consultorias, sempre se economiza tempo e dinheiro”, comenta Lima, doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília.
De acordo com Luis Sánchez, da Iaia, uma visão “fechada e burocrática” leva empreendedores a não observar o valor estratégico dos EIA/Rimas e a contratar consultorias pelo menor preço. “Estudos bem feitos valorizam a imagem da empresa, reduzem prazos e economizam em embargos, ações judiciais e paralisações dos empreendimentos”, diz o professor da USP.
Atuando nesse mercado desde 1989, o engenheiro Ivan Telles de Sousa, vice-presidente da consultoria Ecology Brasil, afirma que contratar assim pode ser uma armadilha. “Muitas empresas buscam só o menor preço e contratam problemas”, comenta.
Curiosamente, mesmo com a ficha suja, várias consultorias seguem ligadas ao Cadastro Técnico Federal, prontas para novos EIA/Rimas. Não há previsão legal para que deixem a listagem oficial, que tem 2,8 mil empresas regularizadas. Por isso, o governo pensa em veicular na Internet um sistema de pontuação sobre o desempenho desses escritórios. Também há um número muito grande de empresas com atuação local e regional. “Na prática, ninguém sabe quantas dessas consultorias existem no País”, comenta Sánchez, da USP.
Tema de casa - O atraso na liberação de licenças é influenciado pela qualidade dos EIA/Rimas, mas não só por isso. A degradação do Ibama e burocracias também pesam na balança. As deficiências internas incluem falta de condições de trabalho, de capacitação, de planos de carreira, equipes reduzidas e bancos de dados incompletos. O órgão tem hoje 1.150 processos de licenciamento espalhados nos escaninhos de aproximadamente 140 pessoas. Poderia ter quase o dobro, não fosse a evasão de servidores.
Na última semana, mesmo com a promessa de não perder trabalhadores, o Ibama viu oito técnicos pedirem demissão. Muitos se qualificam e seguem para o setor privado ou outros órgãos de governo. “Os concursos realizados até hoje só compensaram perdas nos quadros”, diz uma fonte do licenciamento federal.
A falta de investimentos em recursos humanos mereceu um capítulo do relatório divulgado em junho pelo Tribunal de Contas da União - TCU. O estudo constatou que o número de servidores está muito abaixo do necessário, sem falar na falta de capacitação. O recado do tribunal foi claro: falta concurso público especializado para o licenciamento. Nessas condições, a satisfação do servidor também vai para o ralo, carregando sua produtividade em serviço. O TCU concluiu que a remuneração na área é menor do que a de servidores em carreiras semelhantes, como na Agência Nacional de Águas - ANA.
Como se não bastasse, o espaço físico para o trabalho de rotina é insuficiente e nem todos os processos em papel têm lugar para serem armazenados corretamente. A situação nos estados e nas outras unidades do Ibama também não é muito diferente, razão pela qual não tem sido possível transferir demandas de licenciamento de Brasília. Sem falar de alguns efeitos colaterais da “descentralização”, como os verificados em Rondônia.
A análise do tribunal também revela falta de articulação entre órgãos de governo na hora de processar licenças e estudos ambientais. Constatou até que a comunicação entre Ibama, Fundação Nacional do Índio – Funai e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan depende de canais informais.
A papelada de um licenciamento circula por vários órgãos governamentais. O processo de uma hidrelétrica, por exemplo, pode percorrer escaninhos no Ibama, Funai, Iphan, Empresa de Pesquisa Energética, Aneel, Fundação Palmares, Incra, secretarias estaduais de meio ambiente, prefeituras, ONGs, ministérios públicos Federal e estaduais, organismos de Saúde e ICMBio. Além disso, há o debate com populações atingidas, tradicionais ou não. Quando essa maratona ocorre sem planejamento, sem prazos definidos e seguros e de forma atabalhoada, o resultado é a “inclusão de obras em programas de governo sem o necessário cuidado com a proteção ambiental”, diz o TCU.
Conforme Ivan Sousa, da consultoria Ecology Brasil, o licenciamento de uma linha de transmissão, de uma rodovia ou gasoduto leva em média 18 meses, de uma pequena central hidrelétrica cerca de um ano. O mesmo vale para uma termelétrica a gás natural, mas se ela for a carvão, o tempo sobre para dois anos. Já uma grande barragem exige de três a quatro anos para ser licenciada. “Pr isso o Brasil precisa planejar melhor seus empreendimentos. Não pode fazer obras por espasmos”, recomenda o engenheiro.
Pela frente - O governo promete tirar em breve da cartola medidas que tornarão o licenciamento mais ágil e eficiente, sem aliviar a proteção ambiental. As primeiras propostas podem chegar esta semana à mesa do ministro Carlos Minc (Meio Ambiente). Isso se as polêmicas internas do Ibama permitirem. Técnicos e analistas não querem acelerar seu trabalho sem mudanças na legislação, que fixa prazo de um ano para a emissão das licenças prévias. Cada retrabalho tranca o relógio. Mesmo assim, vale lembrar que, desde 2003, a emissão de licenças pelo Ibama só cresce. Este ano já foram 187 processos assinados pelo órgão ambiental.
O desafio de turbinar o licenciamento é gigante, pois não se ouve de outros órgãos de governo qualquer iniciativa para dar mais espaço às questões ecológicas em suas agendas executivas e de planejamento. Desta maneira, mesmo um licenciamento mais ágil pode seguir relegado a um plano raso da política nacional. Ivan Telles Sousa, da Ecology Brasil, chega a e estranhar que uma área tão relevante para o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento e outros projetos governistas quanto o licenciamento não receba mais investimentos públicos. “O licenciamento é vital para o PAC, mas a área é muito carente em recursos humanos e materiais”, disse.
Representando o braço nacional da norte-americana Ecology Inc, que tem escritórios em 67 países, e conhecendo por dentro o licenciamento, Sousa aponta algumas direções para agilizar processos. Para ele é preciso investir pesado em contratação e capacitação de pessoal, restringir o número de vistorias de campo, melhorar os Termos de Referência, garantir licenças prévias para leilões de blocos de petróleo, hidrelétricas e outros empreendimentos e reduzir o rigor excessivo para obras de menor porte. “Muita informação exigida não serve para nada”, comenta.
Também falta uma visão mais ampla e isenta para quem atua com esses processos, avalia o consultor. “Precisamos parar de vitimar tanto o meio ambiente. Não se faz omelete sem quebrar o ovo. Ibama e consultores têm que ter uma visão imparcial”, comentou.
Procuradas pela reportagem, a Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base – Abdib e a Confederação Nacional da Indústria – CNI não comentaram o assunto.
Lá fora e aqui - A crônica falta de planejamento nacional só traz novas pressões sobre o licenciamento. Sem pensar no médio e longo prazo, o Brasil torna a emissão de licenças uma oportunidade para se levantar dados científicos e um espaço de disputa pontual entre empreendedores, governo e populações. O problema cresce em regiões com baixo nível de conhecimento primário e populações dispersas, isoladas e pouco afeitas a um processo de licenciamento, como a Amazônia. “Falta um olhar amplo sobre potencialidades e problemas de cada região”, comenta o biólogo Marcelo Lima.
É por essas e outras que questões sobre populações indígenas, tradicionais, rurais e urbanas têm pesado mais que fatores ambientais em muitos licenciamentos. Das 120 condicionantes do processo das usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira (RO), por volta de duas dezenas eram ambientais. O restante tratava de impactos sociais. “O licenciamento pode virar moeda de troca para se resolver problemas sociais, sombreando questões ecológicas e fazendo o Ibama tratar de temas que não são da sua vocação”, diz Lima.
Por outro lado, uma fonte do Ibama lembra que grandes empreendimentos são usados como fontes de indenizações. Áreas que serão cobertas por lagos de hidrelétricas ou sofrerão outros impactos costumam ganhar moradores do dia para a noite. É o famoso jeitinho brasileiro. “Tem gente que aluga até porcos e galinhas para forjar produção e exigir preços mais altos pela terra. As obras se tornam chances para negócios e mudanças de vida”, revela.
O modelo brasileiro usa três tipos de licença para liberar empreendimentos, após a aprovação inicial do estudo de impacto. Tudo começa com uma licença prévia, depois vem uma licença de instalação, quando a obra já pode iniciar, e por fim se emite uma licença de operação, o sinal verde para o empreendimento. Conforme Luis Sánchez, da Iaia, o sistema nacional não é muito diferente de outros países, como Canadá, Estados Unidos, Austrália e França. As diferenças podem estar em quem concede as licenças e no peso dos órgãos ambientais.
Em alguns países, agências setoriais costumam licenciar empreendimentos de sua alçada. É como se a brasileira Aneel licenciasse hidrelétricas e outras obras energéticas. “Mas aqui isso não funcionaria, porque nossos órgãos ambientais são comparativamente fracos em relação aos demais”, comenta Sánchez.
O professor da USP também questiona os meios de controle do licenciamento. Segundo ele, outras nações avaliam conteúdo e qualidade dos EIA/Rimas mais de perto, onde a legislação permite até a recusa de projetos com estudos insuficientes. Audiências públicas também tendem a ser mais longas e mais aprofundadas sobre detalhes técnicos. No Canadá, inclusive, há um fundo abastecido por empreendedores e governo que permite a populações atingidas contratar especialistas para analisar projetos complexos. “Muitas populações no Brasil não têm qualificação e tempo para participar desse tipo de debate”, afirma Sánchez.
Algo nessa linha defende Raul Valle, do Instituto Socioambiental. Para ele, quem cria riscos ao meio ambiente deve arcar com os custos e, já que os EIA/Rimas são feitos ou encomendados por empreendedores, esses deveriam viabilizar recursos para a contratação de especialistas. O resultado seriam melhores análises técnicas. “Os EIA/Rimas não são imparciais e muitas vezes faltam conhecimentos para contrapor questões mais complexas”, disse o advogado. “Grandes empreendedores deveriam viabilizar auditorias independentes coordenadas pela sociedade civil, principalmente após a licença de operação, quando o controle é muito fraco. Esse é o buraco negro do licenciamento”, completa.
* colaborou Andréia Fanzeres
(Site O Eco - 07/07/08)
Real e atrasos elevam em US$ 1 bi projetos da Alcoa no Brasil
SYDNEY (Reuters)
A australiana Alumina informou que seus custos de investimentos com a Alcoa na refinaria Alumar, no Brasil, além de uma mina de bauxita inflaram em mais de 1 bilhão de dólares, para 3,7 bilhões de dólares, devido à valorização do real, atrasos na construção e aumento nos gastos com equipamentos.
Mas a data prevista para conclusão dos projetos está aproximadamente em linha com a meta global anterior, para meados do ano que vem, afirmou o presidente-executivo da Alumina, John Bevan, à Reuters nesta segunda-feira.
"Ambos os projetos devem ser completados no primeiro semestre do ano que vem", afirmou Bevan.
"Estamos afirmando agora que a refinaria ficará para o meio do ano, o que significa que pode chegar ao terceiro trimestre, e Juriti provavelmente irá demorar um pouco mais", prevê Bevan.
Os custos da Alcoa World Alumina Chemicals (AWAC), controlada pela Alcoa e Alumina numa relação 60-40 por cento, respectivamente, irão subir de 1,3 para 1,62 bilhão de dólares, enquanto que o custo da mina de bauxita Juruti crescerá de 1,2 para 2 bilhões de dólares.
A AWAC detém um investimento de 54 por cento na expansão da refinaria em São Luis, no Nordeste, e 100 por cento da mina de Juruti.
A BHP Billiton possui 36 por cento do prejeto da refinaria e a Rio Tinto, 10 por cento de participação. A BHP preferiu não comentar o assunto e a Rio não estava imediatamente disponível.
Bevan afirmou que os engenheiros estão 95 por cento confiantes de que não haverá novo aumento de custos, com a projeção mais recente levando em conta os atrasos de construção decorrentes de um clima desfavorável e valorização da moeda brasileira contra o dólar, que eleva o preço de equipamentos de construção e materiais.
(O Globo Online - 21/07/08)
EPE deve entregar em 60 dias estudo de viabilidade para leilão de energia eólica, diz Tolmasquim
RIO - O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, disse hoje que deve entregar em 60 dias ao Ministério de Minas e Energia um estudo de viabilidade sobre um leilão para geração de energia a partir de parques eólicos. Ele afirmou que, caso o Ministério decida pela realização da licitação, ela só deve ocorrer no ano que vem.
O executivo descartou qualquer possibilidade de subsídio à geração eólica e afirmou que o modelo energético hoje é baseado apenas na competição e nas menores tarifas.
Tolmasquim ressaltou que a energia eólica ainda é mais cara do que concorrentes, como a hidrelétrica e a termelétrica, mas ponderou que qualquer leilão terá como base uma tarifa competitiva. Não haverá subsídio para a energia eólica, pois hoje é tudo por leilão. A competição é que é a base do novo modelo, frisou o presidente da EPE, acrescentando que programas como o Pró-Infra (para melhoria da qualidade de vida nas cidades mediante a reestruturação de sua infra-estrutura urbana) foram importantes no passado, mas atualmente não fazem parte da estratégia do setor.
Ele apresentou hoje na sede do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 a representantes do setor. O plano, que já havia sido divulgado pela EPE, contempla o aumento da participação do etanol na matriz energética do país até 2030.
Apesar de ter sido elaborado antes das descobertas da Petrobras no pré-sal, Tolmasquin assegurou que o petróleo deve reduzir sua participação na matriz energética no futuro. Ele disse que o plano deve ser revisado até o fim do ano que vem e ponderou que o esperado aumento da capacidade de produção de petróleo no Brasil deve ser refletir principalmente com alta de vendas ao exterior.
Na interpretação do executivo, mais produção não será sinônimo de um aumento relativo nas vendas no país, uma vez que os derivados de petróleo seguem de alguma maneira a tendência internacional dos preços.
Tolmasquim também não acredita que o etanol vá virar commodity no médio prazo já que, para isso, seria preciso que outros países além do Brasil tivessem grande capacidade de produção do combustível, o que não ocorre hoje.
Sem revelar números, ele disse que a revisão do plano deve comportar a tendência de elevação da produção de etanol no Brasil. Para Tolmasquim, as projeções atuais para a produção do produto são conservadoras. Pelo PNE atualmente em vigor, a produção em 2030 deve atingir 66,6 bilhões de litros por ano para um consumo de 54,7 bilhões de litros anuais. Em 2005, esses patamares foram de 16 bilhões de litros e 14 bilhões de litros, respectivamente.
O plano apresentado pelo representante da EPE prevê que os derivados de petróleo devem passar de 39% de participação na matriz energética brasileira em 2005 para 29% em 2030, enquanto o etanol e outros derivados de cana devem subir de 14% para 18%.
(Rafael Rosas | Valor Online - 18/07/08)
quinta-feira, 17 de julho de 2008
CNPE: Belo Monte será a única usina no rio Xingu
BRASÍLIA. - A usina hidrelétrica de Belo Monte será a única a ser construída no rio Xingu, no Pará. A decisão foi tomada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e deverá ser publicada amanhã no Diário Oficial da União. Caberá a Eletrobrás continuar os estudos de desenvolvimento e conclusão da usina, segundo informação do Ministério de Minas e Energia.
Serão realizados estudos antropológicos, referentes às comunidades indígenas localizadas na área sob influência do aproveitamento hidrelétrico. Para isso, todas as comunidades afetadas pelo empreendimento serão ouvidas.
A usina terá 11.182 megawatts (MW) de potência instalada. Belo Monte deve gerar 41,6 milhões de MWh/ano, o suficiente para atender ao consumo de 20 milhões de pessoas durante um ano.
(O Globo Online - 16/07/08)
Brasil abriu mão de 3.600 MW em Xingu por Belo Monte, diz Epe
da Folha Online, em Brasília
O presidente da Epe (Empresa de Pesquisa Energética), Maurício Tolmasquim, disse nesta quarta-feira que o setor elétrico abriu mão de 3.600 MW de potência na Bacia do Xingu para garantir a construção da usina de Belo Monte. O total equivale a uma das usinas do rio Madeira.
O CNPE divulgou hoje resolução em que determina que a única usina que será construída no rio Xingu será Belo Monte. De acordo com o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), isso foi fruto de um acordo com a área ambiental.
"Essa resolução mostra a preocupação que o setor elétrico com a questão ambiental, com as comunidades indígenas. Da ótica energética, deveríamos aproveitar tudo, mas, na atualidade, você tem que compatibilizar as diversas questões", afirmou.
Segundo Tolmasquim, estavam previstas outras três usinas no rio Xingu, que somariam os 3.600 MW. Com o compromisso de que Belo Monte será a única usina a ser construída, a concessão da licença prévia para o empreendimento será agilizada.
"Essa resolução traz tranqüilidade no aproveitamento de Xingu", completou.
Belo Monte terá capacidade para gerar mais de 11 mil MW e custará 7 bilhões. A previsão é que alague uma área de 440 quilômetros quadrados. A usina deverá ficar pronta em 2014.
(Folha de S. Paulo - 16/07/08)
quarta-feira, 16 de julho de 2008
Eólica ganha força com anúncio de leilão
Com o anúncio da realização de leilões específicos e periódicos de energia eólica, feito recentemente pelo governo federal, as empresas do setor começam a tirar os projetos da gaveta. A companhia pernambucana Eólica Tecnologia é uma delas: a empresa prevê instalar em Gravatá (PE), cidade localizada há 40 quilômetros de Recife, uma central eólica com 25 megawatts (MW) de potência, 15 turbinas geradoras, por R$ 110 milhões. ´´O empreendimento estará em funcionamento em junho de 2009´´, diz Everaldo Feitosa, presidente da Eólica Tecnologia, que afirma ter mais 500 MW em projetos prontos para serem implantados.
Segundo Feitosa, o objetivo é colocar a energia da usina de Gravatá à venda no leilão A-3, que está previsto para ser realizado no primeiro semestre do ano que vem. ´´Vamos entrar no leilão com diversos projetos´´, diz Feitosa. O executivo prevê vender no certame mais de 400 MW instalados na região Nordeste do País.
´´Hoje um megawatt-hora (MWh) produzido por uma central eólica custa em torno de R$ 200, ou seja, um terço do que o governo federal paga hoje para acionar as térmicas a óleo diesel´´, compara o presidente da empresa. ´´A tendência é de mais redução no preço da geração eólica´´, prevê o especialista.
Feitosa afirma que, depois da confirmação da realização dos leilões para venda da eletricidade dos ventos, muitas empresas internacionais começaram a olhar o Brasil como o destino das suas filiais. ´´A eólica já é competitiva no Brasil, mas, por exemplo, o preço de uma turbina aqui é 20% ou 30% mais caro que no mercado internacional´´, afirma Feitosa. No novo projeto, em Gravatá, a empresa utilizará turbinas norueguesas.
´´Com a entrada de novas empresas aqui, os preços tendem a cair´´, comenta o especialista. ´´Com a alta no preço do petróleo e as preocupações mundiais com o meio ambiente, o governo brasileiro deveria aproveitar para começar a impor metas para incluir entre 1 mil ou 2 mil MW por ano de energia eólica no País´´, comenta Feitosa, que ressalta a iniciativa de outros países em desenvolvimento. ´´A Índia e a China já têm metas para ampliar a participação na energia eólica na geração´´, enumera o presidente da Eólica Tecnologia. Segundo ele, até 2030, a China prevê instalar 100 mil MW de eólica e a Índia, no mesmo período, programa incrementar 50 mil MW de energia do vento em sua matriz. ´´Nesse contexto, o Brasil está atrás e precisa definir uma política com urgência, ainda mais em tempos de crise do petróleo´´, salienta.
Maior central do País
A Eólica Tecnologia, lembra Feitosa, está instalando, em parceria com a Multiner, o maior parque eólico do Brasil, com 151 MW, no estado do Rio Grande do Norte. A central tem investimento total de cerca de R$ 2 bilhões e a expectativa é entrar em operação no início de 2010.
Primeira iniciativa
O estado de Pernambuco foi o pioneiro na adoção de fontes de energia renováveis. A geração de energia a partir de turbinas eólicas no Brasil teve início em julho de 1992, com a instalação de uma turbina de 75 kilowatts (kw) na ilha de Fernando de Noronha.
Desde então, 10% da energia consumida no arquipélago é gerada pelo vento. ´´Esse percentual poderia ter sido maior, mas, na época, as pessoas pensavam que não seria possível confiar no vento para gerar energia. Muitas dessas resistências foram quebradas com o tempo. Hoje os moradores são a favor da eólica´´, lembra Feitosa, que, na época, prestou consultoria para a viabilização do projeto.
(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 4)(Roberta Scrivano)
Lixo poderia gerar 5% da matriz energética brasileira, estima estudo
Contudo, se – retirada a parte reciclável – toda fração restante do lixo brasileiro fosse processada em incineradores com tecnologia adequada para tratamento de gases derivados desse processo, o país poderia gerar 5% de sua oferta energética e ainda deixar de depositar no solo estes resíduos. Hoje, em nível nacional, são produzidas 88 milhões de toneladas de lixo por ano. Conforme dados da Política Nacional de Resíduos Sólidos apresentada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) na semana passada, 59% dos resíduos do país vão para lixões e apenas 2,8% são reciclados, uma vez que apenas 327 dos 5.560 municípios brasileiros contam com coleta seletiva . Além do passivo ambiental e dos problemas de saúde pública que representam, os lixões têm sido vistos como um problema crônico que tende a aumentar devido à crescente escassez de áreas livres para abrigá-los, especialmente em regiões metropolitanas, onde a geração de resíduos é mais intensiva e obriga prefeituras a pagar cada vez mais para dispô-los cada vez mais longe.
Geração de metano
"Somente na Região Metropolitana de Porto Alegre, são gerados 30% de todo o lixo do Rio Grande do Sul, e há um projeto para o aproveitamento de gás metano a partir dele", anuncia o professor Nilson Romeu Marcílio, PhD em Engenharia Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que não possui detalhes do projeto porque, segundo ele, "trata-se de um empreendimento privado". O aproveitamento do lixo, contudo, é um fato ainda incipiente no Brasil. "Não há uma preocupação ambiental ou energética porque, de modo geral, nunca tivemos problema para dispor o lixo, por tradicionalmente haver muitas áreas livres no país. Mas hoje, a idéia que se dissemina é do lixo como fonte de energia", observa.
O engenheiro Henrique Saraiva, diretor do projeto Usina Verde, vizinho da Coppe, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ, critica a alternativa do aproveitamento de metano em aterros. "A recuperação desse gás pode ser feita, mas ao final de 12 ou 15 anos, o metano termina e ficam os resíduos no solo, gerando chorume", diz. A constatação é apontada também por Marcílio: "A geração de biogás a partir do lixo confinado em aterros tem uma vida util. Há uma curva de decomposição da matéria orgânica que é de aproximadamente dez anos". Ele explica que mesmo nos melhores projetos de aterros controlados pode haver falhas porque as mantas de impermeabilização não conseguem cobrir uniformemente toda a área onde os resíduos serão dispostos. "Com o movimento de máquinas pesadas sobre o aterro, não é difícil o impacto e o conseqüente deslocamento dessas mantas, aumentando ainda mais a possibilidade de vazamento de chorume", observa. Um caso crônico é o dos resíduos da indústria calçadista no Rio Grande do Sul. "São 120 mil toneladas por ano, trata-se de resíduos que contêm cromo, um elemento tóxico que acaba contaminando o solo. É um problema, basta ver o que aconteceu há alguns anos na Utresa [Usina de Tratamento de Resíduos de Estância Velha denunciada pelo Ministério Público, em 2006, como uma das responsáveis pela mortandade de peixes no Rio dos Sinos, devido a problemas técnicos na estrutura e funcionamento de aterros sanitários]".
Queima energética
A queima energética ou incineração é ainda um assunto que divide opiniões entre técnicos e ambientalistas. Para Saraiva, se realizada em temperaturas acima de 800ºC e até 1.300ºC, com tecnologia controlada de queima e pós-queima, a incineração não gera os temidos dioxinas e furanos, componentes cancerígenos que ambientalistas apontam como o grande problema desse tipo de tratamento dos resíduos para a saúde humana. Na avaliação de Marcílio, da UFRGS, este problema não existe em temperaturas acima de 800ºC e, "para a formação de dioxinas, seria necessária a presença de cloro nos resíduos, em forma de PVC (policloreto de vinil), por exemplo. No caso dos resíduos domésticos, os plásticos que vão para os lixões com esse tipo de rejeito, orgânico, não contêm cloro, são sacolas de polietileno", explica. No Rio Grande do Sul, o órgão ambiental (Fepam) não permite a incineração de resíduos industriais como os da indústria calçadista, nem os domésticos.
No Rio de Janeiro, a Usina Verde tem um projeto com licença de operação concedida pela Fundação de Engenharia do Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Feema). "Toda emissão de gases foi controlada por seis meses quando do início do projeto, na etapa experimental, mostrando que as emissões ficam abaixo das exigências do Conama", afirma Saraiva. Projeto criado em 2001 com capacidade para tratar 150 toneladas de lixo urbano por dia, a usina pode gerar 3,2 MWh de energia elétrica, dos quais 2,6 MWh disponíveis para fornecimento externo. Conforme Saraiva, são retirados os materiais recicláveis (papel, papelão, plásticos), e o restante, que são resíduos orgânicos normalmente embalados em sacolas plásticas, vai para a incineração. "Com 150 toneladas desse lixo, dos quais 50% a 60% são orgânicos e 12% a 15% são plásticos, se conseguem 3,2 MW de energia", afirma. "É justamente a presença do plástico que fornece o poder calorífico para se obter essa energia, pois o plástico contém o mesmo teor energético do petróleo", detalha. Saraiva explica ainda que, se forem acrescentados 15% de cimento a esta mistura, é possível produzir tijolos e pisos. "Poderíamos produzir uma casa popular por dia, de 50 metros quadrados, a partir das 150 toneladas de resíduos", pondera, acrescentando que essas 150 toneladas correspondem a 200 barris de petróleo, em energia equivalente.
Atualmente, a Usina Verde processa 30 toneladas de lixo e funciona como uma mostra para visitantes que desejam comprovar o seu funcionamento. O investimento no projeto foi de R$ 30 milhões. "Esta é a única tecnologia brasileira do tipo, e várias indústrias de plásticos vêm se mostrando interessadas em participar da recuperação energética", comenta.
O projeto da Usina Verde detém duas patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial: a INPI 9404414-7, relativa ao Processo de Mineralização de Resíduos Orgânicos, registrada no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai; e a INPI 9804473-7, referente a hélices turbinadas para lavadores de gases da incineração de resíduos, registrada no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai, União Européia e Austrália.
Na Europa
A Alemanha começou a adoção do processo de aproveitamento energético de resíduos na década de 70. Na região da Bavária, por exemplo, entre 50% e 70% dos resíduos são reciclados, e o restante vai para aproveitamento por incineração controlada. Com 250 mil toneladas de lixo por ano, uma das usinas locais chega a 85 mil MW por hora, funcionando praticamente o ano todo e abastecendo 25 mil casas com quatro moradores cada uma. Além de residências, empresas como a montadora Audi também se beneficiam desta energia. Esta tecnologia é largamente implantada no Japão, por exemplo. O problema para países como o Brasil adotar um processo assim é de duas naturezas. Primeiro, o elevado custo – uma usina dessas, para processar 1,2 mil toneladas/dia de lixo, demandaria R$ 400 milhões para ser implantada e R$ 60 milhões em manutenção anual. Segundo, mas não menos importante, a criação de uma cultura sólida de valorização e separação dos resíduos recicláveis aliada a uma política rigorosa de controle ambiental a partir de legislação e fiscalização adequadas.
No Brasil
A Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE) de São Paulo pretende lançar um projeto desta natureza em 2011, mas provavelmente terá que contar com um polpudo investimento de instituições como o BNDES e com incentivos fiscais diversos para poder ter seu start. Conforme Saraiva, a EPE está realizando estudos para conhecer tudo o que é economizado no lixo reciclável brasileiro e qual o teor poderia ser transformado em energia – seria uma espécie de balanço energético dos resíduos nacionais. A reportagem do AmbienteJÁ entrou em contato duas vezes com a Assessoria de Imprensa da EPE para obter maiores informações sobre esta contabilidade, mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno. Saraiva lembra que a questão social num projeto desta natureza é da máxima relevância, uma vez que, para o aproveitamento energético, é necessária uma criteriosa separação dos resíduos, o que amplia a oferta de mão-de-obra para catadores, que, de acordo com ele, podem obter ganho médio de R$ 500 per capita.
Apesar de todos os testes, licenças e certificações, e do uso massivo em países onde a preocupação ambiental está no topo das políticas públicas, a incineração de resíduos é um assunto que historicamente divide técnicos, políticos e ambientalistas. O temor de que mesmo com as melhores tecnologias os projetos possam não ser bem executados assombra entidades como o Greenpeace, que trava uma luta histórica contra incineradores.
Veja amanhã: os argumentos pró e contra o aproveitamento energético de resíduos.
(Por Cláudia Viegas, Ambiente JÁ, 15/07/2008)
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Falta energia ou falta visão?
Washington Novaes
O tema das barragens e usinas hidrelétricas volta a ocupar espaço abundante no noticiário, por muitas razões: 1) Por ser essa uma fonte renovável e menos poluente de energia, num momento de crise, e que abre a possibilidade de reduzir, com seu uso, as emissões de gases que intensificam o efeito estufa e acentuam mudanças climáticas; 2) pelo ângulo oposto, por estar o Brasil levando adiante vários projetos nessa área, quando alguns estudos mostram a possibilidade de, com conservação e eficiência energética, até reduzir consideravelmente nosso consumo de energia, além de poder recorrer muito mais do que o faz a outras fontes menos problemáticas (eólica, solar, de marés, biocombustíveis, principalmente); 3) porque a construção de hidrelétricas sem preocupação de implantar eclusas que permitam a navegação dificulta depois o aproveitamento desse meio de transporte (onde seja viável e sem custos excessivos); 4) porque grande parte da energia gerada se destina à produção de eletrointensivos (alumínio e ferro-gusa, principalmente), com altos subsídios, que impõem a toda a sociedade (que paga os subsídios) pesados sacrifícios, enquanto beneficiam principalmente consumidores dos países industrializados, grandes importadores desses produtos; 5) porque a interrupção do fluxo de rios e o alto armazenamento de águas suscitam outras preocupações aos estudiosos da área.
Pode-se começar pelo fim. O relatório Planeta Vivo 2006 e outros documentos da ONU dizem que a alteração e retenção do fluxo hidrológico no mundo para uso industrial, abastecimento doméstico, irrigação e produção de energia já fragmentam mais de metade dos maiores sistemas fluviais do mundo e 83% do seu fluxo anual (52% de forma moderada, 31% gravemente). A quantidade de água armazenada em reservatórios ou barragens já é, no mínimo, três vezes maior que a contida nos rios. Só barragens com mais de 15 metros de altura são 45 mil no mundo, segundo a Comissão Mundial de Barragens. São muitas as conseqüências: inundação de áreas importantes, perda de biodiversidade, desalojamento de populações, aumento da evaporação, acumulação de sedimentos (e geração de gases), entre outras.
Muitos países dizem não ter alternativas imediatas, como a China, diante do aumento da demanda por energia. Mas certamente não é o caso brasileiro. Já foram mais de uma vez citados neste espaço estudos da Unicamp e da Coppe (UFRJ) que mostram ser possível, a custos muito menores que no aumento da produção, reduzir em até 30% o consumo atual de energia, com programas de conservação e eficiência; e ganhar mais 20% com repotenciação de usinas antigas e redução de perdas nas linhas de transmissão (hoje em 15%). Mas ninguém ouve a área federal de energia discutir esse tema com a sociedade. Ao contrário, os responsáveis pelo setor só se preocupam em anunciar novas, caras e questionáveis unidades geradoras, na Amazônia, na polêmica área nuclear e em outros lugares problemáticos - Estreito (TO), Vale do Ribeira (SP) e Salto (SC), entre outros.
E tudo isso acontece em meio a graves discussões. Ora porque se muda o local de implantação de uma usina no Madeira e não se considera necessário novo estudo de impacto, ora porque já se anuncia para o ano que vem outra usina, no Rio Xingu, palco de conflitos sérios. Num momento, porque se condena o "esquecimento" de prever eclusas nas hidrelétricas do Rio Madeira - o que pode interromper a navegação; em outro, porque se condena à inundação um patrimônio paisagístico e cultural da humanidade, reconhecido pela Unesco, como é o caso de uma usina no Vale do Ribeira, onde podem sobrevir também problemas para remanescentes da mata atlântica, mangues, cavernas, restingas, quilombos, índios, caiçaras.
Estranho que pareça, não se discute um fenômeno cada vez mais freqüente, que é o rompimento de barragens. Só este ano isso já ocorreu no Rio Corrente (GO), em São Gonçalo (PB), inundando a cidade de São Vicente do Seridó; dois anos antes foi em Camará, onde o rompimento deixou 4 mil pessoas ao desabrigo. É evidente que se impõe uma revisão de métodos, inclusive por causa de alterações nos formatos de chuvas, com precipitações mais intensas em curto espaço de tempo.
É um problema que remete a recente estudo do Banco Mundial (28/3), em que está enfatizada a "baixa qualidade dos termos de referência e estudos de impacto ambiental" de projetos na área hidrelétrica. Por isso mesmo, e porque acha "razoáveis" os prazos concedidos pelo Ibama nos licenciamentos, não sugere o banco mudanças radicais nos processos e naqueles prazos - bem ao contrário do que pregam o ministro do Meio Ambiente e o presidente do Ibama.
Talvez fosse adequado olhar o que acontece em outras partes - como nos EUA, que já removeram 467 barragens, principalmente na Califórnia (48) e no Wisconsin (47); ou na Alemanha e na Hungria, onde estão em pleno andamento os planos de "renaturalização" dos rios, com a remoção de barragens, canalizações, etc., para que sejam restauradas as antigas planícies de inundação natural, removidas populações ribeirinhas e se evitem conseqüências desastrosas de enchentes. Ou ainda para várias partes da Europa, da Austrália, da Nova Zelândia, da Espanha, de Portugal, onde se investe pesadamente em energia eólica e solar - ao contrário do que fazemos aqui, onde o minguado programa de energias alternativas (Proinfa) se arrasta há anos, da mesma forma que os programas de eficiência energética (Procel).
É preciso repetir e repetir: entre 1973 e 1988, após o segundo choque do petróleo, durante 15 anos não aumentou em um só kilowatt o consumo de energia nos EUA, graças a programas de eficiência - e sem prejudicar o crescimento do PIB, que foi de quase 40% nesse período.
Eficiência não impede desenvolvimento. Ao contrário, ajuda, liberando recursos.
Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
(O Estado de S. Paulo - 11/07/08)
Na base do facão
A defesa de posicionamentos ideológicos desencadeia, por vezes, atitudes condenáveis e anacrônicas. Como na Itália do século XVII, quando Galileu foi tolhido de suas atividades científicas ao ir de encontro às teses obscurantistas da Inquisição, no Brasil do século XXI engenheiros são impedidos de estudar - sim, estudar! - a viabilidade do potencial hidrelétrico por meio de liminares e práticas explícitas de violência. É o que ocorre com o projeto da usina de Belo Monte, no Pará. Quase 400 anos depois, volta-se a utilizar de argumentos preconceituosos para a perpetração de atos de rudeza.
Há muitos anos que o debate em torno de Belo Monte sofre de dois males fundamentais: a falta de informação e a manipulação de dados para fortalecer opiniões. Quando se tenta instalar o diálogo, é necessário que as partes ajam de forma democrática, permitindo que cada lado exponha seus pontos de vista livres da ameaça da borduna.
Com 11,1 mil MW de potência, Belo Monte terá sua barragem situada a 335km da foz do Rio Xingu. Mais de 90% das áreas protegidas na bacia se encontram a montante e bem distantes do local do empreendimento. Já a usina ficará situada em um trecho cujo território interior apresenta intensa ocupação humana, onde são praticadas atividades agropecuárias e de extrativismo vegetal. Ou seja, não está se falando em implantar a hidrelétrica em área de mata virgem, mas em local já utilizado pela população residente.
A usina de Belo Monte é uma das melhores do portfólio de hidrelétricas. Após a revisão do projeto de engenharia, o reservatório passou de 1.225km para 440km. Enquanto as usinas existentes têm área alagada média de 0,57km por MW gerado, Belo Monte alaga apenas 0,04km por MW gerado. Além disso, é infundado o receio dos índios caiapós em relação a mudanças significativas na qualidade da água e ao aumento de cheias em seus domínios. Como a usina estará localizada muito abaixo da sua reserva, as terras ocupadas pela comunidade indígena não serão afetadas pelo empreendimento.
O investimento necessário para a construção de Belo Monte trará dinamização econômica de efeitos significativos para a região, com crescimento do IDH dos municípios circunscritos à usina. Altamira, por exemplo, será amplamente beneficiada com obras de urbanização, da mesma forma que todas as cidades sob influência da hidrelétrica terão uma renda permanente com a compensação financeira a ser paga pelos empreendedores.
Pode-se dizer que, além de não promover o alagamento de terras indígenas e de unidades de conservação ambiental, a energia gerada pela usina será equivalente a 6,4% do consumo total de eletricidade do Brasil. A quem interessa criar obstáculos a um projeto benéfico ao país e à região? Visões críticas são sempre importantes para o aprimoramento das grandes discussões. O que não pode ser confundido com o falso direito de ceifar argumentações díspares no seu nascedouro, ainda mais na base do facão.
MAURICIO TOLMASQUIM é presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
(O Globo - 11/07/08)
quinta-feira, 10 de julho de 2008
O que pensam os índios?
Depois da entrevista sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu, concedida pelo professor da Unicamp Oswaldo Sevá Filho, nesta semana o Correio da Cidadania divulgou o artigo "A hidrelétrica amaldiçoada". O texto de Lúcio Flávio Pinto reconstitui o polêmico ataque dos Kayapó ao engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende no último protesto de Altamira e oferece uma abordagem complexa sobre o tema.
O artigo foi publicado originalmente no Jornal Pessoal, escrito, editado e distribuído nas bancas de Belém há mais de 15 anos pelo próprio Lúcio Flávio. Nascido em Santarém, no Pará, e jornalista atuante desde 1966, já recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais por seu trabalho no combate aos problemas da região, o que lhe rendeu também vários inimigos dentre os poderosos destas bandas, entre eles destacados membros da família Maiorana, que edita "O Liberal", o maior jornal de Belém.
No texto, Lúcio Flávio considera que o gesto da índia Tuíra de esfregar seu facão no rosto de Muniz Lopes, o representante da Eletronorte, no primeiro encontro de Altamira em 1989, para demonstrar a rejeição dos Kayapó à construção de hidrelétricas no Xingu abalou o projeto a tal ponto que causou seu adiamento por pelo menos vinte anos. O jornalista se pergunta se a nova investida dos índios prejudicará a continuidade do projeto ou se, ao contrário, ajudará o governo a finalmente colocá-lo em prática. E observa que o incremento da agressividade, do susto de Muniz Lopes em 1989 ao corte no braço de Paulo Rezende no mês passado, indicaria que "agora a paciência dos índios do Xingu se esgotou e eles simplesmente não querem mais usina alguma no rio", estando dispostos a "morrer, se preciso for, até o último deles, mas não permitir a execução da obra". Entretanto, segundo ele, "os índios, na avaliação interna que fizeram, no dia seguinte ao incidente, ainda em Altamira, admitiram que se excederam e cometeram um erro grave". "Pareciam conscientes que, a partir de agora, terão que recuperar o apoio da opinião pública, que condenou seu ato, para poderem sustentar o veto à hidrelétrica".
Lúcio Flávio citou ainda a manifestação do cacique Bepe Kamró (Jair) Kayapó, da aldeia Topkrô, que desaprovou a agressão dos guerreiros e colocou-se a favor da usina, como evidência de que começaram a surgir fissuras "num movimento (dos índios contra as hidrelétricas do Xingu) até então aparentemente monolítico".
Confesso que, como ativista contrário à construção das hidrelétricas, fiquei preocupado quanto às possíveis "fissuras". Minha confusão só aumentou quando, mais ou menos por estes dias, encontrei-me com um Kayapó amigo meu (Karuru é seu nome), da aldeia Aukre, que veio a Belém acompanhar a esposa dele em um tratamento de saúde. Quando lhe perguntei sobre a reação dos índios ao ocorrido em Altamira, disse-me que os Kayapó "já vão autorizar a obra". "Liberar". "Se o governo quiser, já pode fazer".
"Como assim?", perguntei-lhe, intrigado pelo contraste destas declarações com tudo o que vi e ouvi sobre a demonstração, ao que ele me respondeu: "já pagou". Ou seja, que todo o estrago da construção da usina no Xingu já estava pago com o corte no braço do engenheiro da Eletrobrás! Isso já quase rindo comigo do absurdo da situação. Não sei exatamente a opinião dele sobre as hidrelétricas, mas os Kayapó têm o habito saudável de se divertir com as bobagens do próprio povo.
Os índios evidentemente estão preocupados com a preservação do seu modo de vida. Mas não são ecologistas da forma como nós entendemos o termo e também estão, como nós, interessados nas facilidades da vida moderna e nas novas possibilidades que chegam com o dinheiro. A Eletrobrás e as empreiteiras sabem disso e vão explorar estas contradições ao máximo. Concordo com Lúcio Flávio que a aproximação da empresa se dará através de obras nas aldeias, da implantação de alguns projetos de "desenvolvimento social" e, principalmente, de dinheiro vivo. Dinheiro este, é bom que se destaque, muitas vezes distribuído na forma de suborno para a cooptação de lideranças. O jornalista lembrou, por exemplo, o caso da Vale do Rio Doce que, segundo ele, "atraiu para si os índios Xikrin do Cateté, vizinhos das minas de Carajás e primos dos Kayapó", atração esta obtida "através de aplicações significativas em obras e em dinheiro vivo, além de muitas relações públicas". Para ele, com a "retração dos Kayapó depois da agressão ao engenheiro, o campo está mais favorável a esse tipo de empreitada".
É bom que se diga, no entanto, que os Xikrin do Cateté não foram exatamente "atraídos para si" pela Vale, apesar dos altos salários pagos para índios em troca de nenhum trabalho, que muito mais criaram do que resolveram problemas sociais. Dizem que, até recentemente, pagavam R$ 500 todos os meses para cada pessoa com mais de dezesseis anos. Tem índio que deixou de fazer roça para gastar o dinheiro com bebida e prostituição nas cidades. Tanto não foram "atraídos para a Vale", que volta e meia ocupam e obstruem as instalações da empresa. Sei ainda do caso de uma mineradora atuante na região, que, precisando do aceite dos índios para a continuidade dos seus trabalhos, organizou um grande churrasco. Antes da festa, os índios deveriam assinar uma "lista" para poder então comer. A lista, não sabiam, já era o documento de aceite.
Apesar dos anos de convivência, os índios freqüentemente conseguem me surpreender. Porque às vezes imagino que eles são uma coisa, para concluir que são justamente o contrário e em seguida mudar novamente de opinião. Um exemplo: os Kayapó jovens freqüentemente falam bem o português, gostam de roupas de marca, usam óculos escuros e escutam música em fones de ouvido. Uma vez, na aldeia, entrei numa casa onde havia um jovem com esta descrição deitado na rede e reparei que havia um sapo no canto da casa.
Perguntado sobre a razão daquele animal estar ali, ele rapidamente desconversou: "Deixa, é parente do meu pai". Quer dizer, diferentemente do pai, o rapaz era moderno demais para se dizer parente do sapo, mas não chegou a dizer algo tão "separatista" como "deixa, meu pai acha que é parente dele".
Voltando às opiniões dissonantes quanto à construção das hidrelétricas, uma coisa é certa: há muito percebi que os Kayapó divergem sobre tudo, seja dos brancos ou entre eles mesmos. Para cada idéia que um grupo tenha, há sempre o grupo contrário. E os debates são intermináveis, até que se perca o interesse, ou que uma liderança (se tiver força para tanto) tome uma decisão final. Com a questão da hidrelétrica, não poderia ser diferente. Certamente haverá sempre o grupo a favor e o grupo contra. Se o movimento dos índios contra a barragem de Belo Monte parecia monolítico, não é que ele tenha começado a se fissurar em decorrência do ataque, como Lucio Flávio interpretou, mas sim que carecia ser observado mais de perto.
De todo modo, sempre haverá os índios "conservacionistas", sinceramente preocupados com a natureza. É com eles que a luta pelo rio Xingu vivo continua.
* Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.
(Site Envolverde - 09/07/08)