segunda-feira, 28 de julho de 2008

“A Eletrobras favoreceu empreiteiras”

O procurador regional da República Felício Pontes Júnior tem sido implacável em sua luta contra a construção da barragem de Belo Monte, no rio Xingu, sem que sejam cumpridas todas as exigências constitucionais. Conforme denunciado ontem aqui em O Liberal, ele ingressou com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal questionando a contratação sem licitação das empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht para a execução do EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto de Meio Ambiente) da usina, que será a maior do país, com capacidade para gerar 11 mil megawatts de energia depois da conclusão. Para o procurador, a contratação, pela Eletrobras, das empreiteiras sem licitação e por um valor irrisório para estudos de impacto num empreendimento desse porte (R$ 33 mil), é um forte indício de que elas poderão ser beneficiadas na licitação para a construção da hidrelétrica: 'Colocaram a raposa no galinheiro', comparou.


O senhor está convicto de que empreiteiras como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht deveriam participar de licitação para fazer o EIA-Rima da usina de Belo Monte?
Qualquer empresa que queira participar de Estudos de Impacto Ambiental precisa participar de licitação. O Estado não pode escolher aleatoriamente quem vai contratar para os serviços. Isso é ilegal, atenta contra os princípios democráticos e contra a os princípios constitucionais que norteiam a administração pública.
O senhor acredita que por elaborarem o EIA-Rima as empreiteiras passam a ser favoritas para ganhar a licitação para a construção da barragem?
Isso é evidente. As empreiteiras terão acesso privilegiado a informações bem antes de seus possíveis concorrentes em um eventual leilão. Em nosso entendimento, a própria Eletrobras admitiu o favorecimento a essas empresas quando incluiu no convênio com elas uma absurda cláusula de sigilo. O EIA-Rima é um processo necessariamente público, só é legítimo se for público, mas, mesmo assim, havia uma cláusula que dava às empresas o direito de não divulgar as informações que fossem colhidas no decorrer dos Estudos. Agora, essa cláusula, supostamen te, foi revogada. Mas, para nós, ela é uma prova a mais - assim como a ausência de licitação - de que o governo federal está acintosamente favorecendo o interesse de algumas empreiteiras e tentando fazer um licenciamento meramente burocrático. As sucessivas e recentes declarações do Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, de que Belo Monte será construída a partir de 2009, demonstram o descaso do governo com a legislação ambiental, são um desrespeito ao que deveria ser o processo de licenciamento e ao próprio judiciário brasileiro. É impossível prever o início de uma obra desse porte quando os estudos ainda não foram feitos.
O caso da usina de Santo Antonio, no Rio Madeira, onde a Mendes Junior fez o EIA-Rima e ganhou a licitação não abre um precedente perigoso?
Perigosíssimo. Não podemos deixar de apontar a flagrante falta de lógica que existe em se colocar empreiteiras para fazer Estudos de Impacto Ambiental. Estamos falando de obras de bilhões de reais. Estamos falando de possibilidade concreta de grande enriquecimento para empreiteiras. Como podemos considerar que essas empresas têm isenção suficiente para conduzir os Estudos de Impacto Ambiental? O EIA-Rima serve para orientar uma decisão técnica: se o empreendimento tem ou não viabilidade. Como alguém que está interessado em construir a obra - afinal é disso que empreiteiras entendem - pode atestar sua viabilidade? É como colocar o galinheiro sob responsabilidade da raposa.
Existe um jogo de cartas marcadas nessas licitações?
Não podemos afirmar isso sem provas. Mas todos os caminhos tomados pelo governo federal no projeto de Belo Monte demonstram a existência de relações promíscuas, contaminadas, entre a Eletrobras e as empreiteiras.
Não há justificativas para se construir Belo Monte?
Apesar de ainda não terem sido concluídos os Estudos de Impacto Ambiental oficiais, podemos dizer que, nesses 20 anos, Belo Monte talvez seja o projeto hidrelétrico mais estudado da história do Brasil. Existem inúmeras teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos, estudos científicos sobre a hidrelétrica. E todos apontam para sua total inviabilidade. Inviabilidade econômica, sobretudo. A própria Eletrobras admite que a usina só vai funcionar de 3 a 5 meses por ano, por causa do regime de vazão do rio Xingu. Não há justificativa para gastar mais de R$ 7 bilhões em uma obra, expulsar 16 mil ribeirinhos, alagar parte de Altamira, fazer secar o rio em alguns trechos, e ao final termos uma hidrelétrica que não vai passar nem seis meses fornecendo energia.
Caiapós estão no meio do caminho da usina, mesmo sem ser atingidos
Apontados como um dos povos mais belicosos da Amazônia, os índios caiapós são a pedra no caminho da barragem de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará. Desde fevereiro de 1989, quando foram as grandes estrelas do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu – a índia Tuíra ganhou destaque internacional ao esfregar um facão na cara do engenheiro José Antônio Muniz Lopes, então diretor de Operações da Eletronorte – os caiapós têm exibido suas bordunas e terçados contra os planos da Eletrobras de construir a maior usina hidrelétrica da Amazônia no rio Xingu.
Foi graças à ação dos caiapós que o Banco Mundial (BIRD) retirou qualquer apoio financeiro a novas usinas na Amazônia. O projeto da Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil), denominado inicialmente de Cararaô, mudou de nome, para Belo Monte. Detalhe: o reservatório da usina hidrelétrica de Belo Monte não inundará um hectare sequer da gigantesca reserva indígena caiapó, demarcada e homologada com 3,2 milhões de hectares, ocupando basicamente parte do território dos municípios de São Félix do Xingu, Tucumã e Redenção, a léguas de distância de Vitória do Xingu, município para onde está projetada a construção da barragem.
Os índios caiapós que agrediram e cortaram no braço, com golpe de terçado, o engenheiro Paulo Fernando Rezende, da Eletrobras, no encontro Xingu Vivo para Sempre, em Altamira, sudoeste do Pará, foram na verdade 'importados' do município de Redenção para o evento. Como desculpa para a agressão ao engenheiro da Eletrobras, os caiapós se disseram revoltados com o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte, empreendimento que ficará a mais de 600 quilômetros de Redenção.
O rio Xingu, para onde está prevista a barragem de Belo Monte, sequer banha a reserva indígena de onde saíram a índia Tuíra e os outros agressores. Os índios caiapós, que eram os mais revoltados com a possibilidade de se construir a usina de Belo Monte, terão apenas uma parte de sua reserva cortada pelo rio Bacajá, um afluente do Xingu que, segundo os estudos apresentados pela Eletronorte, não será afetada pelo projeto.
O engenheiro Paulo Fernando Rezende tentou explicar esse ponto durante o encontro de Altamira, garantindo que as terras indígenas não sofrerão os impactos do projeto hidrelétrico, mas os índios não aceitaram as explicações. A única aldeia afetada pelo projeto será a Paquiçamba, cujos índios não estão entre os agressores do engenheiro e que não demonstram a mesma violência dos caiapós.
A fama de violência dos caiapós vem de longe. Na década de 70, o massacre da Fazenda Espadilha, no Pará, onde 20 colonos que haviam invadido a área dos índios foram mortos, ganhou destaque na mídia. Os caiapós também mantêm uma rígida vigilância em sua reserva, embora alguns caciques permitam a exploração garimpeira e outros vendam mogno para madeireiras ilegais.
(O Liberal – 28/08/08)

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