Lúcio Flávio Pinto *
A Vale anuncia uma grande aciaria e o governo federal diz que desta vez sairá a hidrelétrica de Belo Monte. São bilhões e mais bilhões em investimentos. Desta vez o Pará irá mesmo se desenvolver ou é mais uma ilusão?
Há uma nova onda de grandes investimentos desabando simultaneamente no Pará. Um deles foi anunciado com todas as letras na quinzena passada: a Companhia Vale do Rio Doce garante que, desta vez, dará um passo a mais na transformação do minério de ferro, que extrai há um quarto de século das minas de Carajás, em escala crescente (o que fez o horizonte da exploração cair de 400 para menos de 150 anos). A empresa disse que investirá seis bilhões de dólares numa fábrica que produzirá 2,6 milhões de toneladas de placas de aço em Marabá, no Pará.
É negócio de causar impacto em qualquer parte do mundo, mas sobretudo no Pará, que há seis anos vem disputando essa obra com o Maranhão. A Vale ainda juntará no pacote algumas outras iniciativas para ajudar o Estado a sair do mero extrativismo mineral, para cuja manutenção a ex-estatal tem dado sua decisiva colaboração. Mas o governo terá que fazer a sua parte, que não será pequena. Uma das contrapartidas poderá ser o licenciamento ambiental da usina de energia que a Vale planeja construir em Barcarena, com capacidade para 600 mil kW (o equivalente a quase duas das 21 turbinas que funcionam na hidrelétrica de Tucuruí), uma das maiores do programa de termelétricas no país.
A usina será à base de carvão mineral importado, um dos processos mais poluidores que há. Além de anunciar o uso da tecnologia mais limpa que existe, a Vale argumenta em defesa do seu projeto que não há alternativa no prazo que lhe interessa para permitir a ampliação da capacidade de produção da Albrás, a 8ª maior fábrica de alumínio do mundo, instalada em Barcarena. A Albrás estagnou, por causa de sua intensa demanda de energia não suprida, enquanto a vizinha Alunorte, que produz alumina, o insumo para o metal, cresceu tanto que se tornou a maior do mundo, por exigir muito menos energia.
De fato, não há nenhuma outra possibilidade de curto prazo para adicionar a quantidade de energia exigida por uma fundição de alumínio como a da Albrás. Por isso mesmo, o governo federal tomou providências para colocar o projeto da hidrelétrica de Belo Monte na prancheta de execução. Numa ofensiva orquestrada, o Conselho Nacional de Política Energética decretou que haverá um único aproveitamento na bacia do Xingu, o de Belo Monte. O governo renunciou a construir mais três barragens que estavam incluídas no programa de obras da Eletronorte para não causar maior impacto ecológico nem efeitos nocivos aos índios e ao restante da população da área. Com tal compromisso, o complicado e acidentado licenciamento ambiental poderá finalmente sair.
Em sã consciência, ninguém poderia se opor a uma obra que produzirá um terço de energia a mais do que Tucuruí, a quarta do mundo, inundando uma área sete vezes menor, o que proporcionaria o menor custo por kW instalado do mercado. A facilidade com que os dados são manipulados, conforme as diferentes configurações dos projetos apresentados pela Eletronorte, porém, não cria nenhuma segurança entre os que analisam a partir de fora o plano energético para o Xingu. O próprio diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman, foi claro: a decisão do governo de se limitar a uma hidrelétrica no Xingu foi política e não técnica. Do ponto de vista técnico, ele não tem dúvida de que seria viável implantar os outros três aproveitamentos, que resultariam em mais 3,5 mil megawatts adicionados aos 11,8 mil MW de Belo Monte. Se, no futuro, com outro governo, a vontade política mudar, o curso do planejamento inicial poderá ser retomado. Nada há que o impeça.
Continua a predominar entre os técnicos independentes a convicção de que, sozinha, a usina de Belo Monte não tem viabilidade econômica, independentemente da avaliação dos seus impactos socioambientais. O compromisso com uma única barragem seria apenas uma manobra tática para criar o fato consumado do primeiro aproveitamento e assim possibilitar os demais, que acumularão água a montante do rio para usá-la nos períodos de estiagem (quando a vazão pode cair até 30 vezes), incrementando a potência de geração.
Há, contudo, uma saída, há muitos anos defendida por este jornal: modificar a concepção sobre o desenvolvimento na Amazônia. O planejamento seria feito a partir das bacias hidrográficas, que são a mais sólida referência física na região. Antes de definir qualquer uso para o Xingu, por exemplo, o governo federal teria que remeter ao congresso um projeto de lei sobre o plano de desenvolvimento para o vale por longo período (15 ou 20 anos), no qual um dos itens seria o uso energético.
Se for sincera e convicta a decisão de só erguer uma única barragem no Xingu, a lei sobre o desenvolvimento do vale estabelecerá esse compromisso, conferindo-lhe valor legal. O descumprimento caracterizaria a prática de um delito, punível na forma da legislação penal e cível. A palavra do agente do governo deixaria de ser apenas palavra, que o vento das conveniências leva.
Talvez a partir daí seja possível um debate sério e maduro sobre a possibilidade e a conveniência de o país prosseguir no uso dos rios para fins energéticos. É claro que há certa pressa na tomada de decisões, em função das grandes transformações que ocorrem neste momento em todo mundo. Essas mudanças atingem a Amazônia, mas não podem se refletir na região apenas como eco. A Amazônia precisa ter voz própria, algum poder de iniciativa, de criação. O efeito reverso dos tremores, que têm seu epicentro fora da região, não pode ser sempre de acordo com os interesses dos que criam esses efeitos e estão armados das melhores informações.
O esgotamento das fontes de energia na Amazônia para incrementos significativos da produção é um fato, em boa parte resultante da imprevidência dos que monopolizam o poder decisório. Esse fato pode ser atenuado e, em alguns casos, resolvido por outras fontes de energia, inclusive as não propriamente alternativas, como o gás, cujas pesquisas no litoral amazônico são mantidas num banho-maria inexplicado (e inaceitável). Quando a demanda é urgente, essas respostas deixam de ser satisfatórias porque as pesquisas, mesmo que venham a ter o apoio merecido, que hoje não têm, não darão resultados imediatos. Mas a equação da solução não pode ser montada apenas pelos agentes produtivos.
É realmente do interesse do Pará que a Albrás produza mais lingote de alumínio, produto de baixo valor agregado, à custa de muita energia, com tarifa favorecida, e sem gerar o principal imposto, o ICMS, porque a exportação de semi-elaborados não é taxada? Na ponta do lápis, não. Pode o governo fornecer a energia no volume requerido e por preço atrativo se a Vale do Rio Doce instalar unidades de transformação do metal básico, que criarão melhores empregos, irão gerar mais renda e pagarão imposto? Por que não colocar essa exigência na mesa de negociação?
A Vale não está sozinha nem é a dona do mercado (veja adiante matéria sobre a Alcoa). Apesar de toda a sua propaganda e relações públicas, a Vale ainda não conseguiu criar uma imagem de companhia sustentável porque seu discurso está sempre colidindo com os fatos. Apesar do enorme dinheiro que gastou para lançar a sua nova marca, a novidade não se estendeu ao conceito de responsabilidade social de tal maneira a convencer os auditórios mais exigentes no mercado mundial, justamente o seu alvo. Esse desempenho resulta da dificuldade que a empresa tem para praticar jogos que não sejam aqueles nos quais põe sua marca, os quais quer sempre ganhar.
Diga-se também que esse jogo é viciado porque do outro lado não há contendores sérios e conseqüentes. No momento em que essa onda de novos "grandes projetos" vem bater no território paraense, empurrada pelo mercado mundial, constatar que a interlocução não é séria dá uma sensação de desalento que nenhum marketing é capaz de retocar. Mesmo porque a maquilagem dura pouco, como estamos vendo. Se outros grandes projetos do passado mão desenvolveram de fato o Pará, estes novos projetos mudarão essa história?
* Jornalista
(Site Adital - 28/07/08)
2 Responses to “Grandes Projetos: De volta ao Pará”
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Senhores, porque o blog não tras fotografias do porto Belo Monte atual, da área da balsa (se é que ainda existe), da transamazônica, de Altamira atual?
De 1976/1980 morei em Altamira, de onde tenho muitas saudades. Na Prelazia tive um grande amigo, Padre Sebastião. Por onde estaria ele hoje em dia?
Meu filho nascido em Belém, foi batizado aí na igreja da prelazia.
Moro em Maringá, onde sou advogado e escritor, inclusive estou terminando um livro onde falo muito da região aí, da qual carrego ótimas lembranças.
Gostaria de manter contato com algum professor unviersitário daí, ou alguém que possua fotos atuais para me enviar, se possível. abraços
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