segunda-feira, 28 de julho de 2008

Belo Monte sob suspeita

Ronaldo Brasiliense

Há fortes evidências de que está em curso um jogo de cartas marcadas para que a licitação para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará, seja ganha pelas construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht, todas incluídas entre as maiores do Brasil.
Estas empreiteiras ganharam da Eletrobras (Centrais Elétricas do Brasil), em convênio denunciado pelo Ministério Público Federal, a missão de elaborar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto de Meio Ambiente (Rima) da usina de Belo Monte, a maior da Amazônia, num investimento que pode chegar a US$ 10 bilhões, incluindo as linhas de transmissão de energia.
O preço pago pela Eletrobras para que Camargo Correa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez façam o EIA-Rima é simplesmente risível: R$ 35 mil. Especialistas do setor elétrico calculam que um EIA-Rima como o de Belo Monte consuma no mínimo R$ 100 milhões.
Essa conta é que não bate para o procurador regional da República Felício Pontes Júnior, do Pará, que ingressou com Ação Civil Pública na Justiça Federal questionando, por ilegal, a contratação das empreiteiras, sem licitação, para executar o EIA-Rima da usina de Belo Monte, que quando estiver concluída vai gerar, a plena carga, 11 mil megawatts, tornando-se a maior do país, genuinamente brasileira (Itaipu, no sul do País, é binacional).
Pontes Júnior desconfia que possa haver um jogo de cartas marcadas para que Camargo, Gutierrez e Odebrecht concluam o EIA-Rima e ganhem a licitação para a construção da hidrelétrica, um dos maiores investimentos do governo federal na Amazônia em todos os tempos.
Já existe um precedente: a construtora Mendes Júnior e Furnas foram responsáveis pela elaboração do EIA-Rima da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, e posteriormente venceram a licitação para a construção da obra.
Belo Monte é obra prioritária do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e é, também, a menina dos olhos da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do presidente da Eletrobras, o engenheiro José Antônio Muniz Lopes, apadrinhado do senador José Sarney (PMDB-AP).
O juiz federal Antônio Carlos Almeida Campelo, da Vara Única de Altamira, no Pará, deu sentença concordando em parte com os questionamentos do procurador Pontes Júnior.
O Ministério Público Federal moveu Ação Civil Pública em desfavor de Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras), Construções e Comércio Camargo Corrêa, Construtora Andrade Gutierrez e Construtora Norberto Odebrecht mediante petição protocolada na Seção Judiciária do Pará em 24 de maio de 2007.
O motivo da postulação seria suposta prática de atos tendentes a reduzir a concorrência quanto ao empreendimento denominado Usina Hidrelétrica de Belo Monte, pretendendo-se, ao final, que as empresas particulares arroladas no pólo passivo abstenham-se de interferir diretamente na produção de estudos relacionados à hidrelétrica.
EIA/RIMA exige licitação, sustenta MPF - O procurador da República Felício Pontes Júnior, na ação, denuncia suposta associação irregular de servidores públicos com empresas privadas, visando à realização de estudos para a eventual construção da usina de Belo Monte. O argumento é simples: as empresas associadas seriam potenciais interessadas na futura licitação do complexo hidrelétrico.
O objetivo específico da presente ação não seria o de 'prejudicar, em absoluto, o empreendimento AHE de Belo Monte', mas tão somente o de garantir a regular execução dos correspondentes estudos. 'Seria injustificável a preferência dada às empresas beneficiadas', diz o procurador. A causa não guardaria conexão com outra Ação Civil Pública, que trataria do termo de referência elaborado pelo Ibama.
Em resposta, a Eletrobras teria noticiado a celebração de um acordo de cooperação técnica (ECE-120/2005) juntamente com as empresas referidas na inicial. Segundo o MPF, o acordo pactuado teria fundamentação na Lei n.º 3.890-A e suporte em uma alegada exigüidade 'do prazo para ultimação do EIA e do RIMA' e em uma hipotética competência reconhecida das empresas requeridas, o que não seria suficiente para a dispensa de licitação quanto aos estudos de viabilidade. Os requeridos não estariam levando em consideração a possibilidade de o empreendimento vir a ser reputado tecnicamente inviável e o acordo conteria cláusulas de confidencialidade, o que seria incompatível com a publicidade exigida em empreendimentos hidrelétricos.
Em que pese, segundo o MPF, ter sido alegado pela Eletrobras que as empresas possuem notoriedade em seu ramo de atuação, algumas atividades teriam sido terceirizadas. A Eletrobras teria fundamentada a 'contratação' no art. 116, da Lei n.º 8.666/93, sem, contudo, realizar procedimento licitatório. A estatal teria afirmado que despendera apenas cerca de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) com gastos relacionados ao acordo celebrado.
A situação concreta representaria uma dispensa de licitação irregular.
Empresas poderiam afugentar competidores com riscos inexistentes - O acordo de cooperação técnica permitiria às empresas arroladas no pólo passivo apropriarem-se dos documentos gerados durante os estudos. O direito concedido à Eletrobras para que pudesse se associar a empresas privadas não representaria a desnecessidade de licitação. A situação emergencial teria sido produzida pelos próprios gestores da Eletrobras, não justificando a dispensa de licitação.
Os procedimentos administrativos estariam sendo conduzidos de forma açodada e teriam sido violados os Princípios da Impessoalidade e da Publicidade, em prol dos interesses privados das empresas envolvidas.
As assertivas de natureza técnica não poderiam justificar, segundo denuncia o procurador Pontes Júnior na Ação Civil, o tratamento sigiloso das informações, situação que somente poderia ser admitida em 'casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração a ser preservado', o que não corresponderia ao caso concreto. A negativa de publicidade implicaria em redução dos controles sociais.
Por receberem informações privilegiadas, as empresas estariam sendo tratadas de forma contrária à devida impessoalidade. A confecção dos EIA/Rima pelos próprios interessados poderia implicar na divulgação de dificuldades de execução inexistentes, objetivando-se afugentar outros competidores.
Não existiria fundamento legítimo para a intervenção das empresas, que poderiam fazer suas análises de viabilidade econômica e de interesse após a divulgação dos estudos (caso realizados pelo governo).
O acordo, que favoreceria as três empresas mencionadas, seria também ofensivo à ordem econômica. E as justificativas como 'razões de Estado' ou 'a relevância nacional' não seriam suficientes para 'permitir que três empresas sejam contratadas às escondidas, com cláusula de confidencialidade, colocando-se em posição informacional muito mais favorável que qualquer outro agente econômico', conforme denúncia do Ministério Público.
A doutrina estaria a corroborar o raciocínio esboçado na peça de ingresso e a previsão pactuada no sentido de não existir, no momento da licitação da obra, necessidade de atuação consorciada por parte das empresas requeridas. Caso as empresas não venham a participar da futura licitação, tal fato decorrerá, segundo o MPF, do conhecimento de informações não disponíveis às demais empresas do ramo.
Não seria necessária a consumação de um dano para que se concluir pela existência de infração à ordem econômica, devendo, no sentir do Parquet, ser aplicadas às empresas as sanções previstas na Lei n.º 8.884/94, restringindo-se aplicação da pena à obra objeto dos autos.(R. B.)
Eletrobras acusa Ministério Público Federal de querer 'sepultar' usina - Em resposta, a Eletrobras sintetiza: 'A pretensão do MPF seria a de 'uma vez mais, obstar, liminar e, se possível, definitivamente, a continuação dos estudos de impacto ambiental do empreendimento AHE Belo Monte', situação que já teria sido verificada em 2001, 2006 e 2007. O Ministério Público estaria determinado a 'ver definitivamente sepultado' um empreendimento que a Eletrobras entende ser relevante, em suposto detrimento do desenvolvimento social e econômico sustentável do país. A finalidade do MPF seria impedir o licenciamento ambiental da obra e que 'não deveriam prevalecer, quanto à espécie, posições ideológicas radicais e isoladas, contrárias aos estudos de impacto ambiental e ao empreendimento ...em detrimento da população, e do desenvolvimento sustentável do nosso país'.
DECISÃO - 'A Administração Pública deve pautar sua conduta como a de 'mulher de César': além de ser honesta, deve parecer honesta. A Administração Pública, ao contrário do administrador privado, não pode eleger contratantes ou parceiros comerciais ao seu alvedrio, por sua livre escolha. Deve dar ampla publicidade de seus atos e permitir que, dentre critérios estabelecidos em edital, qualquer empresa interessada participe do procedimento. São princípios comezinhos do Direito Administrativo', diz o juiz Almeida Campelo em sua sentença.
E acrescenta: 'É mais que patente que há um gigantesco benefício patrimonial concedido em favor das construtoras, o que, de per si, já se demonstra suficiente para que a Administração Pública tome as necessárias medidas tendentes a garantir a isonomia no acesso às vantagens auferidas pelos interessados em se associar à Eletrobras. Neste momento, não se nega que, caso seja, ao fim, decidido, após amplo debate, que o empreendimento hidrelétrico seja eventualmente viável, haverá necessidade da exigência de critérios técnicos para os empreendedores da obra. Porém, em se tratando de mero complemento de estudos anteriores, conforme menciona a própria Eletrobras, a quantidade de empresas interessadas e capacitadas pode ser muito superior às então conveniadas', afirma Almeida Campelo.
O juiz diz ainda que 'impende destacar que muitas das atividades que compõem o teor dos estudos em andamento não são a especialidade das empreiteiras, que apenas detêm conhecimento específico na área de engenharia - conhecimento este que nem é de exclusividade das mesmas - não possuindo maiores qualificações, por exemplo, no estudo das populações indígenas, conforme mencionado pelo MPF na exordial e confirmado pela leitura de Ações Civis Públicas conexas, nas quais se constata que houve inclusive terceirização de atividades de pesquisa.'
O juiz Almeida Campelo deferiu os pedidos liminares requeridos pelo Ministério Público suspendendo os efeitos do 'Acordo de Cooperação Técnica' ECE- 120/2005, firmado entre a Eletrobrás e as demais empresas demandadas, bem como todo e qualquer ato produzido por força do aludido instrumento até o julgamento final da presente demanda. Mas a briga judicial por Belo Monte, maior hidrelétrica da Amazônia, 'menina dos olhos' das grandes empreiteiras nacionais, está apenas começando. (R.B.)
Eletrobras defende lisura de Belo Monte - O presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, e o responsável pelo projeto de Belo Monte, Paulo Fernando Rezende, defendem a lisura no convênio firmado com as empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht para a confecção do Estudo de Impacto Ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará.
Segundo Rezende, o Decreto Legislativo 788/2005 delegou à Eletrobrás a responsabilidade por desenvolver o estudo de viabilidade técnica, econômica e socioambiental do usina de Belo Monte e o Acordo de Cooperação Técnica para desenvolvimento do referido estudo entre Eletrobrás, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht não garante nenhuma participação das empreiteiras no futuro leilão da licitação entre as partes.
A resolução 395/98, da Aneel, em seu artigo 14, determina que, ocorrendo o envio de outros estudos de viabilidade ou projetos básicos para o mesmo aproveitamento hidrelétrico, em condições de ser aprovados, todos serão colocados à disposição dos interessados para o processo de licitação. Somente o estudo de viabilidade ou projeto básico escolhido pelo vencedor da licitação fará jus ao ressarcimento, de acordo com o respectivo edital. Ou seja, qualquer agente poderá executar o estudo de viabilidade.
'O vencedor do leilão de licitação é que escolherá o estudo que lhe convier e este - e apenas este - será ressarcido na forma da lei. É interessante observar que os estudos para o AHE Jirau, cuja licitação ocorreu recentemente, os executantes do estudo de viabilidade foram as empresas Furnas e Odebrecht. Elas, porém, não venceram o leilão', lembra Paulo Fernando Rezende. Outro ponto importante, segundo Rezende: a Eletrobrás, a fim de dar a necessária publicidade e transparência ao processo, disponibiliza e atualiza em seu site todas as informações relativas a Belo Monte tais como inventário, resultados dos estudos de viabilidade anteriores, além de informações diversas (vide www.eletrobras.com.br).
Para o presidente Muniz Lopes, o Sistema Interligado Brasileiro tem uma grande vantagem que é a possibilidade de transferências de energia através das linhas de transmissão entre as diversas regiões do País. Este sistema interligado abrange 98% do consumo nacional de energia elétrica.
A usina de Belo Monte será integrada ao Sistema Interligado Brasileiro o que permitirá que na época de cheia do rio Xingu, onde a vazão máxima pode chegar a 30.000 m3/s, a produção de energia de Belo Monte seja total da sua capacidade instalada (11.181,3 MW), permitindo que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste economizem água. Assim, no período de seca do rio Xingu, quando Belo Monte estiver produzindo menor quantidade de energia, as usinas dessas regiões enviarão energia elétrica para a região do Xingu.
ÍNDIOS - Segundo Paulo Rezende, em dezembro de 2007 foram realizadas as primeiras visitas às terras indígenas Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Juruna do km 17. Essas visitas foram planejadas em conjunto com a Funai e por ela supervisionadas. Na verdade, todo o estudo socioambiental referente aos índios é desenvolvido sobre a orientação e participação da Funai. A programação para as visitas iniciais das demais terras indígenas da região - Kararaô, Arawaté do Igarapé Ipixuna, Koatinemo, Cachoeira Seca, Arara, Apiterewa e Trincheira Bacajá – já está sendo elaborada pela Funai. É importante destacar que o projeto do AHE Belo Monte não inundará nenhuma terra indígena.
O consumo total de energia elétrica do país passará de 412,6 TWh, em 2007, para 706,4 TWh, em 2017, conforme estudos da EPE. Assim, considerando que o AHE Belo Monte em 2020, quando em plena operação, responderá pelo atendimento de 6,4% do consumo de energia elétrica previsto para aquele momento, pode-se concluir que o empreendimento é uma obra prioritária para atendimento ao mercado de energia elétrica. Veja, na edição de amanhã, entrevista com o procurador Felício Pontes Júnior. (R. B.)
(O Liberal - 27/08/08)

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