sexta-feira, 11 de julho de 2008

Na base do facão

Mauricio Tolmasquim

A defesa de posicionamentos ideológicos desencadeia, por vezes, atitudes condenáveis e anacrônicas. Como na Itália do século XVII, quando Galileu foi tolhido de suas atividades científicas ao ir de encontro às teses obscurantistas da Inquisição, no Brasil do século XXI engenheiros são impedidos de estudar - sim, estudar! - a viabilidade do potencial hidrelétrico por meio de liminares e práticas explícitas de violência. É o que ocorre com o projeto da usina de Belo Monte, no Pará. Quase 400 anos depois, volta-se a utilizar de argumentos preconceituosos para a perpetração de atos de rudeza.

Há muitos anos que o debate em torno de Belo Monte sofre de dois males fundamentais: a falta de informação e a manipulação de dados para fortalecer opiniões. Quando se tenta instalar o diálogo, é necessário que as partes ajam de forma democrática, permitindo que cada lado exponha seus pontos de vista livres da ameaça da borduna.

Com 11,1 mil MW de potência, Belo Monte terá sua barragem situada a 335km da foz do Rio Xingu. Mais de 90% das áreas protegidas na bacia se encontram a montante e bem distantes do local do empreendimento. Já a usina ficará situada em um trecho cujo território interior apresenta intensa ocupação humana, onde são praticadas atividades agropecuárias e de extrativismo vegetal. Ou seja, não está se falando em implantar a hidrelétrica em área de mata virgem, mas em local já utilizado pela população residente.

A usina de Belo Monte é uma das melhores do portfólio de hidrelétricas. Após a revisão do projeto de engenharia, o reservatório passou de 1.225km para 440km. Enquanto as usinas existentes têm área alagada média de 0,57km por MW gerado, Belo Monte alaga apenas 0,04km por MW gerado. Além disso, é infundado o receio dos índios caiapós em relação a mudanças significativas na qualidade da água e ao aumento de cheias em seus domínios. Como a usina estará localizada muito abaixo da sua reserva, as terras ocupadas pela comunidade indígena não serão afetadas pelo empreendimento.

O investimento necessário para a construção de Belo Monte trará dinamização econômica de efeitos significativos para a região, com crescimento do IDH dos municípios circunscritos à usina. Altamira, por exemplo, será amplamente beneficiada com obras de urbanização, da mesma forma que todas as cidades sob influência da hidrelétrica terão uma renda permanente com a compensação financeira a ser paga pelos empreendedores.

Pode-se dizer que, além de não promover o alagamento de terras indígenas e de unidades de conservação ambiental, a energia gerada pela usina será equivalente a 6,4% do consumo total de eletricidade do Brasil. A quem interessa criar obstáculos a um projeto benéfico ao país e à região? Visões críticas são sempre importantes para o aprimoramento das grandes discussões. O que não pode ser confundido com o falso direito de ceifar argumentações díspares no seu nascedouro, ainda mais na base do facão.

MAURICIO TOLMASQUIM é presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

(O Globo - 11/07/08)

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